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A peste negra

Pieter Brueghel, o Velho, «Triunfo da Morte», óleo s/madeira, não datado, Museu do Prado, Madrid.

 

«A peste, atirada sobre os homens por justa cólera divina e para nossa exemplificação, tivera início nas regiões orientais. Incansável fora de um lugar para outro, e estendera-se de forma miserável para o Ocidente».  Prólogo do Decameron de Giovanni Bocaccio.

 

A peste negra (febris pestilentilis, infirmitas pestifera, morbus pestiferus, morbus pestilentialis, mortatitas pestis, ou simplesmente pestis, do latim peius, «a pior doença») deu os primeiros sinais de morte na Sicília no Outono de 1347. No Verão seguinte tinha chegado a Inglaterra devastando o continente durante 5 anos. Em Portugal, a peste negra apareceu em finais de Setembro de 1348 e a grande mortandade provocou uma crise económica grave à qual se seguiu uma crise política que por pouco não levou o país à perda da independência (crise de 1383/85). Estima-se que este primeiro surto tenha vitimado entre cerca de 25 a 30 milhões de pessoas (cerca de um terço da população). Epidemias de menores proporções fizeram aparições esporádicas até ao século XIX.

 

Devido aos sintomas da doença, a maioria dos historiadores e cientistas que se debruçaram sobre o tema assumiram que a peste negra é a peste bubónica. Alexandre Yersin demonstrou que o agente infeccioso de peste bubónica é a bactéria Yersinia pestis, que infecta roedores e pode ser transmitida pelas suas pulgas. Ou seja, foi aceite durante boa parte do século XX que os ratos e as suas pulgas tinham sido os responsáveis pela transmissão da peste negra. J. F. D. Shrewsbury, em 1970, foi o primeiro a quebrar esse consenso e  desde então vários cientistas e historiadores têm argumentado que a Yersinia pestis não foi a responsável pela calamidade que mudou drasticamente a Europa e que o culpado poderia ser, por exemplo, o antrax ou um vírus hemorrágico do tipo do Ebola.

 

Um artigo publicado na 5ª feira na PloS Pathogens, «Distinct Clones of Yersinia pestis Caused the Black Death», confirma que a pandemia foi causada pela Yersinia pestis. Mas «a história desta pandemia é muito mais complicada do que anteriormente se pensava», como afirmou Stephanie Hänsch, que co-dirigiu a investigação que analisou 76 esqueletos de vítimas da peste enterrados em valas comuns em Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Holanda.

 

Depois de a infecção com Yersinia pestis ter sido provada conclusivamente, Stephanie e Barbara Hänsch Bramanti analisaram cerca de 20 marcadores para testar se alguma das estirpes de bactérias conhecidas, Orientalis ou medievalis, estava presente. Mas nenhum desses dois tipos foi encontrado. Em vez disso, foram identificadas duas estirpes desconhecidas, mais antigas e diferentes dos patógenos que ainda hoje são encontrados em África, na América, no Médio Oriente e em regiões da antiga União Soviética. Uma destas estirpes, que se pensa ter sido a contributora mais significativa para o curso catastrófico da praga do século XIV, provavelmente desapareceu. A outra parece ter semelhanças com as recentemente isoladas na Ásia.

Hänsch e Bramanti propõem no artigo duas rotas de infecção, a principal estendendo-se desde o transporte inicial do patógeno da Ásia para o sul de Itália em 1347, através do oeste da França para o norte da França até Inglaterra. Uma vez que uma estirpe diferente de Yersinia pestis foi encontrada na vala de Bergen op Zoom, na Holanda, as duas cientistas acreditam que o sul da Holanda foi infectado a partir do norte da Europa através de uma outra via de infecção originária no Oriente, que decorreu entre a Noruega via Frísia e depois para a Holanda. Embora mais trabalho seja necessário para esclarecer os detalhes destas rotas de infecção, este é sem dúvidas um trabalho fascinante que esclarece inequivocamente as causas da peste que deu origem a uma nova ordem europeia.

Geographical position of the five archaeological sites investigated. Green dots indicate the sites. Also indicated are two likely independent infection routes (black and red dotted arrows) for the spread of the Black Death (1347-1353) after Benedictow

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