O nosso Andrew Mellon
Ricardo Reis, um economista conhecido por achar que a realidade é um pormenor que não deve estragar a simplicidade e a elegância de uma boa teoria, acha que a políticas de austeridade podem ser excelentes para uma economia [atenção: não confundir isto com, no contexto político e financeiro actual, e por muito negativas que sejam, as políticas de austeridade, tragicamente, são necessárias*] porque, e cito:
se são credíveis e resolvem o problema fiscal, levam a que famílias e as empresas esperem que a carga fiscal vá abrandar no futuro próximo, por isso estimulam o investimento e a economia. Quando, como hoje, a crise fiscal é grande e as pessoas estão pessimistas acerca de aumentos de impostos, este segundo efeito [o primeiro reconhece que políticas de austeridade têm um impacto recessivo no curto prazo] pode ser maior que o primeiro e a consolidação fiscal expansiva
E é assim que entramos no maravilhoso mundo da equivalência ricardiana, onde se afirma que, contrariamente ao senso comum, a austeridade pode ser expansionista: os privados estão cheios de carcanhol e só não o gastam porque têm medo uma vaga de impostos futuros. Se esse medo desaparecer - isto é, se o Estado for credível na sua promessa de conter as necessidades de financiamento futuro -, a confiança regressa em força e a economia floresce. Esta versão do pensamento mágico esquece uma coisa muito simples: a causalidade que Ricardo Reis afirma - que os défices são a causa da retracção do sector privado - só existe na sua cabeça. Ricardo Reis desvaloriza a crise que começou em 2007, porque a teoria económica que defende tem como pressuposto básico a impossibilidade (teórica) de eventos dessa natureza. Como os mercados estão sempre em equilíbrio, como a oferta gera a sua própria procura (lei de Say), como todo o desemprego é estrutural e como não pode haver crises de procura, o mundo em que Ricardo Reis vive e pensa teve de ir de férias entre 2007 e 2009, só saindo da hibernação a que a realidade o forçou por volta de Maio de 2010, com o eclodir da chamada 'crise da dívida soberana'. Não interessa que a principal explicação da retracção dos privados seja o seu próprio nível de endividamento (muito maior do que o do Estado) e as reduzidíssimas expectativas de vendas (agravadas ainda mais pelas políticas de austeridade que o Estado português se vê obrigado a seguir). Não, isto não entra, nem pode entrar na cabeça pré-formatada de Ricardo Reis.
Em suma: Ricardo Reis defende que em recessão devemos pôr em prática políticas orçamentais pró-cíclicas, assumindo-se, assim, como um novo e entusiástico Andrew Mellon, um daqueles que ajudou a transformar o 'abalozinho' de 1929 na Grande Depressão. Se a experiência histórica e Keynes não forem suficientes para desautorizar o professor de Harvard, o FMI dá uma ajudinha. Num estudo onde se analisa trinta anos de consolidações orçamentais em economias avançadas, o FMI conclui: "The idea that fiscal austerity triggers faster growth in the short term finds little support in the data. Fiscal retrenchment typically has contractionary short-term effects on economic activity, with lower output and higher unemployment". É certo que também aludem aos efeitos que Ricardo Reis refere "fiscal consolidation is likely to be beneficial over the long term. In particular, lower debt is likely to reduce real interest rates and the burden of interest payments, allowing for future cuts to distortionary taxes. These effects will likely crowd in investment and increase output in the long term", mas estes efeitos não se aplicam ao contexto actual. Porquê? Porque nos últimos trinta anos não houve nenhum evento remotamente parecido ao actual, nem há memória de políticas de austeridade desta magnitude serem postas em prática simultaneamente por um vasto conjunto de países, como está a acontecer na Europa. O único momento histórico relevante para comparações desta natureza são os anos 30. E a comparação é tudo menos positiva.
* considerem isto um pré-comentário ao OE