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jugular

crónica de um crime não anunciado

uma crónica de manuel antónio pina e outra de ferreira fernandes, além de várias referências em blogues (e comentários aqui no jugular, 'exigindo' tomadas de posição sobre a matéria) alertam para o relato de um episódio, envolvendo membros da jcp e a psp a propósito da tentativa de pintura de um mural, que se encontraria no avante! e que, frisa pina, secundado por ferreira fernandes, não teve, nos media, qualquer repercussão.

 

pina tem razão. e tem razão logo na fonte -- o texto do avante!, na edição de 21 de outubro, com o mencionado relato intitula-se 'austeridade nas universidades' e só o final, em três parágrafos, é dedicado ao caso. para dar por ele, um leitor on line teria de abrir um texto com um título que nada tem a ver com o assunto, e ficar a saber muito pouco sobre o caso. desde logo, a identificação da esquadra onde alegadamente os pintores de murais teriam sido conduzidos e 'obrigados a despir-se'; a identificação do local do mural ('junto à rotunda das olaias' nada nos diz sobre o estatuto do local -- público? privado? -- que iria suportar o mural) e, por fim, que medidas tomaram os jovens alegadamente insultados e forçados a despir-se: vão apresentar queixa?

 

não, nada disso se fica a saber na 'notícia' do avante, que cita uma nota de imprensa da jcp. curiosamente, no site da jcp, a nota de imprensa encontrada sobre a matéria data de 26 de outubro, ou seja, é posterior à notícia, embora os termos do relato sejam idênticos e, mais uma vez, se elidam factos essenciais para a compreensão do caso.

 

num e noutro texto, porém, faz-se referência à lei 97/88 de 17 de Agosto e a um parecer do tribunal constitucional sobre a mesma, que legitimariam, segundo a jcp e o avante, a pintura de murais e condenariam o seu impedimento. ora a lei 97/88 de 17 de agosto, intitulada 'Afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda' diz, logo no artigo 3º (mensagens de propaganda), o seguinte:

 

 

1 - A afixação ou inscrição de mensagens de propaganda é garantida, na área de cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais.
2 - A afixação ou inscrição de mensagens de propaganda nos lugares ou espaços de propriedade particular depende do consentimento do respectivo proprietário ou possuidor e deve respeitar as normas em vigor sobre protecção do património arquitectónico e do meio urbanístico, ambiental e paisagístico.

 

uma busca de acórdãos ou pareceres do tribunal constitucional sobre a dita lei permitiu encontrar vários, mas em nenhum dos consultados se vislumbrou a legitimação 'aberta' alegada nos textos citados. se alguém souber a que parecer/acórdão a jcp se refere, agradeço a informação.

 

tudo isto dito, é óbvio que mesmo assumindo que a pintura de murais não é -- não pode ser -- uma actividade legal em toda e qualquer circunstância (vide estes exemplos), e que considerar que a constituição, através da consagração do direito à liberdade de expressão, licencia qualquer inscrição e pintura em qualquer sítio, desde que se identifique como 'propaganda', é simplesmente estulto, a polícia não pode insultar e só se justifica que 'obrigue a despir' em circunstâncias muito específicas, que por maioria de razão não parecem estar presentes num caso de tentativa de pintura mural.

 

o problema é que tanto o avante! como a jcp menorizam aquilo que se afirma, a ser verdade, como um grave atentado à dignidade das pessoas, para maximizar o que apresentam (o que está longe de ser evidente) como um atentado à abstracção liberdade de expressão e, mais, à força política em causa -- vide o título da nota de imprensa referida: 'Sobre os sucessivos impedimentos à acção política da JCP'.

 

ou seja, o avante! e a jcp privilegiaram neste caso o político-partidário e a possibilidade de vitimização (insinuando até que a proibição de pintura de murais só se aplica ao pcp), desprezando a matéria fundamental que indigna pina e ferreira fernandes e toda a gente com um pingo de decência.

 

isso, naturalmente, não desculpa os media e a sua indiferença -- mas será preciso também perceber de que modo tiveram, se tiveram, acesso a informação sobre a matéria. houve uma nota de imprensa da jcp especificamente sobre este assunto que não aquela que linco, de ontem? (o caso é muito anterior). no site da organização, nada encontrei. se essa nota não existiu e se a única fonte de informação são os referidos três escondidos parágrafos numa notícia sobre 'austeridade nas universidades', quem é que começou por escamotear o assunto?

 

podia quase concluir-se que o pcp acha normal que a psp insulte pessoas e as obrigue a despir-se. talvez por passar a vida a elogiar países em que esse é o menor dos problemas dos que tentam exprimir-se livremente.

 

adenda: ouvir aqui (jcp na rede) ana monteiro (membro da 'cnes', seja lá isso o que for), uma das pintoras detidas, a narrar o caso (é preciso paciência, antes terá de ouvir outra longa entrevista sobre cortes nas bolsas para o ensino superior). pormenor: a emissão é de 26 de outubro.

 

esclarece-se na entrevista que a esquadra é a das olaias; que os pintores eram '20 alunos da antónio arroio do pcp', e o mural 'foi pintado num muro junto à escola, muro público' (o locutor, nesta altura, comenta que a lei permite e até 'incita' à pintura de murais). a pintura decorreu durante a tarde, e quando estavam a meio apareceram 4 elementos da psp que levaram 5 jovens -- 4 raparigas e um rapaz -- para a esquadra, onde terão ficado várias horas. ana monteiro diz que só as raparigas foram revistadas, na casa de banho da esquadra, 'de forma absurda': 'pediram para nos despirmos completamente'. a 'revista' terá sido efectuada por uma agente. foi apresentada 'reclamação' pela mãe de uma das jovens e ana monteiro acrescenta que irão ser apresentadas mais 'reclamações'.

 

a partir deste momento, é mandatório que os media peguem nisto. na minha qualidade de barbeira, considero que estas miúdas foram, a provar-se a veracidade do relato, vítimas de um crime de abuso de poder (artigo 382º do código penal) - 'o funcionário que abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal'. sem prejuízo de se poder encarar a hipótese de estarmos perante o crime de 'tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes' (artigo 243º do cp).

 

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