o incómodo da democracia
Na semana passada, o presidente da Associação Sindical dos Juízes informou-nos de que as medidas de austeridade do Orçamento de 2011 são uma retaliação contra os juízes pelo facto de terem andado a "incomodar os boys do PS". Nesta, descobrimos que quando um juiz sindicalista se pronuncia sobre processos, qualificando-os como incómodos para membros de um partido e estabelecendo uma ligação entre esses processos e a política governamental e os reflexos desta nos juízes, o órgão que tem o dever de apreciar as violações do Estatuto dos Magistrados Judiciais (por exemplo quebras do dever de reserva, que estabelece não poder um magistrado pronunciar-se sobre processos a não ser em casos muito específicos) desaprova, pela voz do seu presidente - falo do Conselho Superior da Magistratura -, mas considera que o juiz falou enquanto sindicalista. O que deverá indiciar que só poderá ser chamado à pedra pelo Conselho Superior dos Sindicalistas, ou seja, por ninguém. Aliás, a ASJ é que chama toda a gente à pedra. Os media dizem que um relatório europeu coloca a relação entre os salários dos juízes portugueses nos tribunais superiores e o salário médio no País entre as mais elevadas da Europa, e dá Portugal como uma das nações com mais juízes por cem mil habitantes? Ó da guarda que estão a "atacar" os juízes. A culpa, lê-se num comunicado da ASJ, é da Lusa (a agência pública de notícias, tutelada pelo Governo), que procurou "passar a ideia de que os juízes em Portugal são muitos, trabalham pouco e ganham demasiado". De seguida, a ASJ desmente as notícias "rotundamente falsas" que imputa à agência. O curioso não é só que várias das afirmações do comunicado - por exemplo que Portugal esteja a meio da tabela quanto à relação entre número de juízes e população total, quando na Europa Ocidental só quatro países têm um rácio mais elevado - sejam no mínimo um torção da realidade; o melhor é que aquilo que a ASJ desmente não estava na notícia da Lusa reproduzida nos jornais. "Rotundamente falsa, portanto, a afirmação de que Portugal é o País com mais juízes", diz a ASJ. "Rotundamente falsa, portanto, a afirmação de que Portugal é o País em que os juízes são melhor remunerados". Indiferente que nem a Lusa nem outro meio tivesse afirmado tal; na hora de desfazer aquilo que considera ser um ultraje à judicatura (a ideia de que possa ser menos que perfeita), a ASJ não se engulha com minudências. Aliás, ASJ não se engulha com nada. "Os juízes ascendem à função que ocupam por mérito próprio, mediante concurso público, depois de 20 anos de estudo e formação, e não por eleição ou nomeação, ou com base em favores ou privilégios", conclui o comunicado. Repita-se, porque vale a pena: "mérito próprio" versus "eleição". "Eleição" na mesma categoria de "favores". É obra, é. É, nem mais nem menos, que a apologia dos déspotas iluminados versus essa porcaria da política e das decisões do povo - a coisa desprezível também conhecida por democracia. E o melhor de tudo é que pagamos a gente desta para nos julgar.