Das asas da imaginação aos grilhões da ignorância
A contemplação do céu exerceu desde sempre um fascínio na humanidade que durante muitos séculos pretendeu primeiro entender e depois dominar as alturas. As «asas da imaginação» permitiram transpor a limitação que condenava ao chão o Homem que criou divindades como Mercúrio (ou Hermes) que tinha asas nos pés ou Thor, representado com um elmo alado, e heróis como Belerofonte, dono de Pégaso o cavalo voador. Como ilustram as asas de Ícaro, as máquinas voadoras de Leonardo da Vinci ou a Passarola de Frei Bartolomeu de Gusmão, muitos foram os que tentaram concretizar o que permaneceu um sonho até ao século XVIII e aos balões de ar quente dos irmãos Montgolfier.
Dédalo e Ícaro, sobre os quais as opiniões se dividem serem figuras reais ou mitológicas, foram os primeiros homens a tentar o que até aí estava reservado a deuses, semi-deuses e demais figuras mitológicas. Embora os feitos de Ícaro e de Dédalo sejam muito provavelmente mitológicos, parece não existirem dúvidas de que a primeira máquina voadora foi construída há mais de 2400 anos por Arquitas de Tarento, o filósofo grego considerado o mais ilustre dos matemáticos pitagóricos, o pai da (engenharia) mecânica e um dos precursores da robótica e da aviação.
Em 425 a.C., Arquitas construiu o «pombo», como lhe chamou, uma máquina voadora que conseguia voar cerca de 200 metros e que se pensa ter sido propulsionada por um sistema de ar comprimido. Sobre Arquitas, de quem se perdeu a maioria das obras, destaca-se o facto de ter sido pioneiro a propor que as crianças deviam ser instruídas num quadrivium formado por aritmética, geometria, música e astronomia e como tal ser o responsável pelo facto de a matemática se ter tornado matéria básica na educação.
Enfim, como me recorda um leitor nesta página de comentários, adeptos mais radicais de algumas correntes pós-modernas contestam a importância da matemática*, contrapondo uma coisa que dá pelo nome de etnomatemática. Do seu autor, Ubiratan d'Ambrósio. registo esta frase enigmática: «A etnomatemática privilegia o raciocínio qualitativo. Um enfoque etnomatemático sempre está ligado a uma questão maior, de natureza ambiental ou de produção, e a etnomatemática raramente se apresenta desvinculada de outras manifestações culturais, tais como arte e religião. A etnomatemática se enquadra perfeitamente numa concepção multicultural e holística de educação.»
*E não só. No livro Educação matemática: da teoria à prática (São Paulo: Papirus Editora), Ubiratan considera que para além da irrelevância da matemática, não é importante que um aluno de 12 anos conjugue correctamente verbos. Mais concretamente, escreve «qual o interesse, do ponto de vista do indivíduo e da sociedade, em chegar-se à conclusão de que os jovens brasileiros chegam aos 12 anos sabendo conjugar correctamente o verbo ‘sentar’? Talvez eles jamais tenham percebido o que significa, socialmente, estar sentado. E que importa saber se nessa idade eles são capazes de extrair a raiz quadrada de 12.764? Ou somar 5/39 + 7/65? Qual a relação disso com a satisfação e a amplificação de seu potencial como indivíduos e de seu exercício pleno de cidadania?» (página 62).