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E Espanha aqui tão perto...

Em Julho de 1936, o general Francisco Franco revoltou-se contra o Governo Democrático da República de  Espanha declarando «Nós somos católicos, em Espanha, ou se é católico ou não se é nada». Tinha começado a guerra civil espanhola, ou antes, a cruzada para combater o ateísmo*, que causou um milhão de vítimas e o exílio de centenas de milhares de espanhóis.

 

Mal aterrou em Espanha, em Novembro de 2010, Bento XVI recordou esses tempos declarando ominosamente «É verdade que em Espanha nasceu uma laicidade, um anticlericalismo, um secularismo forte e agressivo como o que se vivia nos anos da década de trinta». Para que não houvesse mal entendidos em relação à nova cruzada que a visita pretendia lançar, o Sumo Pontífice sublinhou que quando criou o Dicastério para a Nova Evangelização, o tal destinado a combater o perverso ateísmo, «estava a pensar no Ocidente e, em especial, em Espanha».

 

Mas parece que a Espanha actual não está assim muito disposta a seguir os conselhos do Papa, se o acolhimento desta visita pode servir de indicador. Para grande desolação dos comerciantes e empresários turísticos, o prometido banho de multidão, que compensaria com juros os vinte milhões de euros que a visita custou aos contribuintes, traduziu-se em alguns, poucos, milhares de fiéis, quer em Santiago quer em Barcelona.  Tanto em Barcelona como em Santiago, onde, em vez dos esperados 200 mil, ouviram o Papa entre 6000 e  8000 fiéis, eram mais os polícias, voluntários da Protecção Civil e jornalistas que crentes...

 

*Em 14 de Setembro, desde Castelgandolfo, Pio XI concordou com Franco e exortou os católicos espanhóis exilados a lutarem lado a lado com Franco na «difícil e perigosa tarefa de defender e restaurar os direitos e a honra de Deus e da Religião». A Igreja de Espanha foi lesta no apoio a Franco, nomeadamente através da pastoral «Las dos ciudades» do bispo de Salamanca, Enrique Pla y Deniel (nomeado cardeal por Pio XII em 1946, sem dúvida em reconhecimento pelos bons serviços prestados), datada de 30 de Setembro de 1936.

 

Mas não foi apenas o bispo de Salamanca a seguir o exemplo de Pio XI. Desde o início da sublevação franquista, o cardeal primaz de Espanha, Isidre Gomà i Tomàs, que designou a guerra civil espanhola como cruzada, explicou que «[A cruzada é] uma luta entre a Espanha e a anti-Espanha, a religião e o ateísmo, a civilização cristã e a barbárie». Para além disso, explicou que a guerra de Espanha não era uma guerra civil, era «uma luta dos sem Deus (...) contra a verdadeira Espanha, contra a religião católica».

 

A participação do clero espanhol na Guerra Civil foi de tal forma escandalosa que estes se sentiram obrigados a escrever em 1937 uma longa  «Carta colectiva de los obispos españoles a los obispos de todo el mundo con motivo de la guerra en España», defendendo o movimento nacional e justificando teologicamente a guerra civil - de que aprovaram a designação cruzada.

 

Ou seja, não espanta que para a Igreja Franco tenha sido o homem da providência divina e que Pio XII tenha enviado a sua bênção a Franco, na véspera da conquista de Madrid,  «Elevando a nossa alma a Deus, congratulamo-nos com Vossa Excelência pela vitória tão desejada da Espanha católica. Formulamos os nosso votos de que o vosso querido país, uma vez obtida a paz, retome com vigor acrescido as suas antigas tradições cristãs que lhe grangearam tanta grandeza. É animado por estes sentimentos que dirigimos a Vossa Excelência e a todo o nobre povo espanhol a Nossa benção apostólica». Ou que o tenha agraciado com a Suprema Orden Ecuestre de la Milicia de Nuestro Señor Jesucristo

5 comentários

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    Palmira F. Silva 07.11.2010

    Penso que esteja a confundir anti-clericalismo com anti-catolicismo, que não são de facto a mesma coisa. O anti-clericalismo apenas repudia e combate a influência clerical na vida política e, consequentemente, na vida pública. ou seja, pugna pela separação e não interferência entre as esferas do poder religioso e do civil. E, de facto, a república em Espanha, tal como a República em Portugal, eram anti-clericais.

    De qualquer forma, e divergências anti-clericais à parte, gostaria de saber o que acha o caro anónimo das alusões do Papa, que de certa invalidam o que o caro anónimo disse. Isto é, o que considera de o Papa achar que se vive hoje em Espanha, onde, como se sabe,  os padres e freiras são perseguidos violentamente,  um ambiente semelhante ao que propiciou a guerra civil espanhola.
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    Anónimo 07.11.2010

    Não há qualquer confusão. O anticlericalismo espanhol era anti-católico. Para além disso não pugnava pela não interferência entre as esferas do poder religioso e civil. Pugnava pela não interferência da igreja na esfera política e civil e pela interferência do estado na igreja, como é bem evidente na Constituição de 1931.

    As alusões do Papa em nada invalidam o que eu disse. O que eu disse é que invalida as alusões do Papa. O ambiente que se vive hoje em Espanha nada tem a ver com o que se vivia na década de trinta. Por isso me preocupei em separar o seu cherry picking dos factos históricos da sua crítica ao que Bento XVI diz ou faz.

    Não faça de conta que a Guerra Civil foi uma cruzada para combater o ateísmo como se na sua origem estivesse apenas a mera
    não interferência entre as esferas do poder religioso e do civil.

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    Palmira F. Silva 07.11.2010

    E, já agora, a Igreja Católica não só desempenhou um papel estratégico e fulcral na Guerra Civil,

    “Na verdade, não foram os insurgentes que pediram o apoio da Igreja, mas essa que se juntou a eles, de corpo e alma. Logo a aliança entre espada e altar foi recriada. Nesse casamento de conveniência a Igreja Católica ofereceu seus poderosos serviços aos rebeldes militares. (...)

    Como cortesia das autoridades militares, a hierarquia religiosa passou a impor os princípios cristãos com uma combinação de zelo e compulsão que lembravam a Idade Média. Como os nacionalistas não tinham grandes intelectuais, o sacerdócio assumiu esse papel para Franco. (...)

    Na ausência de qualquer objectivo que não fosse a tomada do poder, o catolicismo também teve o papel importantíssimo de unificar todos aqueles que aderiram à insurreição.” Francisco J. Romero Salvadó, A Guerra Civil Espanhola (disponível na Amazon...)  
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    Anónimo 07.11.2010

    O resto do seu texto apenas confirma o que escrevi.  A constituição permitia a interferência do estado nos assuntos da igreja. Os artigos 26 e 27 (os tais que controlavam a propriedade da igreja e a proibiam de educar, mesmo em escolas privadas) foram de tal forma controversos que tiveram a oposição de alguns liberais defensores do laicismo, entre eles Jose Ortega y Gasset, e logo aquando da sua redacção não faltou quem avisasse que essa interferência do estado nos assuntos da igreja trazia consigo o perigo de uma guerra civil que veio de facto a acontecer.

    Por isso, Palmira, volto a repetir. Não faça de conta que a Guerra Civil foi uma cruzada para combater o ateísmo como se na sua origem estivesse apenas a mera não interferência entre as esferas do poder religioso e do civil, ou seja, como se o que se passava na altura fosse o que se passa agora em Espanha. Ao fazê-lo está a pôr-se ao lado do Papa que nada vê de diferente numa situação e na outra.
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