Provincianismo
Em resposta a este post, publicado pelo Luís M. Jorge, Lutz esclarece e clarifica a sua posição face ao provincianismo:
Provinciano não é quem mora na província e partilha os seus valores, costumes, tradições. Provinciano é quem toma o seu estilo de vida, a forma de organização social e as regras da sua comunidade por universais. Identifico esta mentalidade, fruto de falta de experiência com estilos de vida diversos, mais frequentemente na província do que no mundo urbano. Resumindo, o meu “preconceito” contra a província consiste em achar que o valor da tolerância está nela em menor conta do que nas cidades. Menos em Wasilla ou na minha terra da infância, Brüggen, do que em Nova Iorque ou Berlim.
Concordo inteiramente com o Lutz, mas acho que a coisa vai para além da tolerância. Não se trata apenas de respeitar a particularidade dos outros mas sobretudo procurar transcender (que é algo diferente de eliminar) a sua própria particularidade, em direcção a uma universalidade mais abrangente. O provincianismo pressupõe uma afirmação rígida e inflexível de uma determinada posição particular, universalizando-a acríticae dogmaticamente, e por isso é uma forma de absolutismo. A crítica ao provincianismo pressupõe que se valorize um ideal de formação cívica, uma Bildung política, que está associada (e torna possível) uma vivência comum em condições de pluralismo. O 'ter mundo' não é mais do que ser capaz de apreender a realidade de perspectivas diferentes, enriquecendo desse modo as suas capacidades interpretativas, ou, por outras palavras, a sua racionalidade. Esta racionalidade, se quisermos, é uma actualização moderna das virtudes e da razão prática Aristotélicas, algo que deve estar na base de qualquer afirmação de valores políticos e da prática da cidadania numa democracia liberal moderna.
Por outro lado Lutz diz que isto não é um preconceito e recorre à estatística:
Claro que não considero isso preconceito. Preconceito seria se identificasse qualquer pessoa oriunda da província como provinciana ou, para usar a analogia do Luis, qualquer turco muçulmano na Alemanha como fundamentalista islâmico. Mantenho contudo, mesmo perante o risco de ser chamado preconceituoso ou algo pior, que os fundamentalistas islâmicos encontram-se com mais frequência entre os turcos muçulmanos na Alemanha do que na população geral, e mantenho ainda que existe um nexo entre ser muçulmano e ser fundamentalista islâmico
Aqui afasto-me um pouco do Lutz. Ao contrário do que o Lutz parece sugerir, a questão do provincianismo da Governadora Palin não é uma questão meramente estatística, porque neste caso podemos formas um juízo substantivo (neste caso, crítico) com base naquilo que ela foi dizendo (e que foi dito sobre ela) e atendendo ao seu percurso concreto. Por outras palavras não é um preoconceito inevitável mas sim algo justificado por razões particulares. Aqui trata-se de interpretar e formar um juízo sobre alguém com base em informações específicas e relevantes sobre essa pessoa e passíveis de avaliação crítica. As suas posições sobre uma eventual censura a determinados livros, a acusação de abuso de poder (o caso do despedimento relacionado com o divórcio da sua irmã), a forma como se passou a interessar pela Guerra do Iraque e o seu aparente desinteresse e desconhecimento dos principais temas internacionais, o seu cristianismo particular (e não o simples facto de ser religiosa ou cristã, como escreve o Henrique Burnay) e a influência que este tem na sua visão de mundo e nas suas políticas, o seu posicionamento e discurso populista face ás 'elites de washington', tudo isto justifica o uso de crítico de provincianismo, que não é um mero preconceito ou ataque pessoal mas algo justificado por um juízo. Se quisermos, ela confirma o nosso preconceito inicial (o tal que é apenas estatístico). Tentar silenciar os críticos de Palin colando-os a uma visão supostamente preconceituosa e ilegítima evita a verdadeira questão e não responde às suas (e minhas) críticas concretas. Quem a defende dizendo que é uma novidade, uma lufada de ar fresco e coisas do género, limita-se a participar acriticamente na aclamação que faz da simples excitação e entusiasmo argumentos políticos. A mobilização das bases conservadoras, quando divorciada de uma crítica substantiva, não é mais do que isso. Por outro lado, o que se viu em muitos dos elogios feitos a Palin foi na realidade o preconceito ao contrário: o que para uns desqualifica, para outros parece ser uma espécie de certificado de garantia ou qualidade imediata, um simples rótulo. Exibi-la e catalogá-la como símbolo dos 'small town values' e de ser 'one of us', por si só, como se tal a habilitasse ao cargo para que foi nomeada, não é mais do que um preconceito irracional ilegítimo, que não pode nunca ser suficiente ou aceitável como elogio ou como justificação.

