Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

jugular

Quatro reparos e muitos desconcertos - sobre falácias

Fiquei extraordinariamente desconcertada com o desconcerto do Paulo em relação ao Blair Hitch project e mais ainda com o seu conceito de falácia, em particular porque o ilustra, falaciosa e recorrentemente, ao longo de todo o texto. E este foi tão desconcertante que não o consigo discutir de uma assentada, vou primeiro tentar explicar porque é falacioso criticar a proposição ou premissa que foi debatida, «religion is a force for good in the world».

 

Disse o Paulo que era falácia discutir-se, não pela primeira vez nem sequer pela primeira vez neste formato, há cerca de um ano foi debatido na BBC, com resultados ainda mais esmagadores, um tema muito semelhante, a premissa dos argumentos falaciosos que surgem invariavelmente em qualquer discussão de religião, como o nosso espaço de comentários confirma. De facto, o que quer que se discuta, normalmente sobre catolicismo porque em Portugal essa é a religião que inflama ânimos, seja a aversão a contraceptivos da Igreja, a sua homofobia ou misoginia, a existência de Deus, do Diabo ou o livre arbítrio, surge sempre na discussão, como se de um argumento final se tratasse, o Argumentum ad Nauseam de que a religião é uma força para o bem, dá de comer a tantos pobrezinhos e está na vanguarda do tratamento das pessoas com SIDA, logo tudo o mais que afirma é verdadeiro.

 

Quiçá seja útil recordar ao Paulo o que é falácia e, com mais urgência ainda, o que é a lógica informal que estuda as falácias formais e informais que ocorrem quando as pessoas argumentam. O Dicionário de Inglês conciso de Oxford (Concise Oxford English Dictionary) define lógica como «a ciência da argumentação, prova, reflexão ou inferência». Ou seja, é a lógica que permite analisar um argumento ou raciocínio e deliberar sobre a sua veracidade. A lógica não é um pressuposto para a argumentação, é claro; mas conhecendo-a, mesmo que superficialmente, torna-se mais fácil evidenciar argumentos inválidos. E o objectivo de um argumento passa necessariamente pelas razões (premissas) que sustentam uma conclusão. Um argumento é falacioso quando é logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou incapaz de sustentar o que alega sustentar, isto é, «quando parece que as razões apresentadas, as premissas, sustentam a conclusão, mas na realidade não sustentam».

 

Por outras palavras, o que se discutiu neste debate não foi uma conclusão, foi a premissa de todas as discussões informais e muitas discussões formais sobre religião. E uma premissa não pode ser falaciosa, apenas verdadeira ou falsa e foi isso que se tentou apurar no debate, para evitar sermos mimoseados ad nauseam com argumentos non sequitur, ainda por cima assentes numa premissa falsa, do tipo

 

Premissa 1 - A religião que o argumentador segue diz A

Premissa 2 - Essa religião é uma força para o bem

Conclusão - A é verdadeiro

 

Em jeito de conclusão, percebo que tenhas ficado muito maçado com o debate - e quiçá com o seu desfecho -, que contraria os teus pre-conceitos, que elaboraste ao longo do texto. Assim, acusaste quem o fez de não exibir a subserviência devida à religião o que, como devia ser evidente, não passa de mais uma forma falaciosa de procurar desviar o assunto, que transformaste na questão de saber se o tema em debate é um absurdo indecente que nunca deveria ser debatido, muito menos naqueles moldes, evitando assim a maçada de discutir o que realmente estava em discussão.

A tua reacção é bastante comum, infelizmente, e é a minha crença arreigada de que nela reside a raiz de todos os males, passe a apropriação dos termos. Dever-se-ia fazer uma análise desapaixonada e cuidadosa de todas as ideias, por mais repugnantes que nos sejam: sempre que nos deparamos com ideias ou afirmações que nos ofendem, o melhor é pensar nelas, em vez de, falaciosamente, tentar desviar o assunto. E interrogarmo-nos se realmente conseguimos refutar cabalmente aquelas ideias que nos irritam ou se é precisamente porque não o sabemos fazer que ficámos tão irritados e nos esquivamos sequer a discuti-las.

72 comentários

Comentar post

Arquivo

Isabel Moreira

Ana Vidigal
Irene Pimentel
Miguel Vale de Almeida

Rogério da Costa Pereira

Rui Herbon


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • f.

    olá. pode usar o endereço fernandacanciodn@gmail.c...

  • Anónimo

    Cara Fernanda Câncio, boa tarde.Poderia ter a gent...

  • Fazem me rir

    So em Portugal para condenarem um artista por uma ...

  • Anónimo

    Gostava que parasses de ter opinião pública porque...

  • Anónimo

    Inadmissível a mensagem do vídeo. Retrocedeu na hi...

Arquivo

  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2018
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2017
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2016
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2015
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2014
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2013
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2012
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2011
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2010
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2009
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2008
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2007
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D

Links

blogs

media