Teoria e prática da religião
As pessoas religiosas tendem a subestimar a importância que para nós, pobre mortais, assumem certas questões práticas, o que tem consequências muito nefastas para a credibilidade da sua fé.
Por exemplo: como pode Deus vigiar adequadamente o comportamento dos 6,8 mil milhões de seres humanos que actualmente povoam o planeta e julgá-los do ponto de vista moral?
É preciso recordar que tudo isto começou com apenas um casal no Jardim do Éden (pouco maior que o Campo Grande, imagino eu). Mesmo sendo Deus já nessa época muito velho e não tendo trotinete, não lhe custava muito mantê-los debaixo de olho, tanto mais que os apanhou logo na primeira ocasião em que pecaram.
Só que, num momento de entusiasmo, saíu-lhe uma atoarda de que, desde então, deve ter-se arrependido um milhão de vezes. Falo do infeliz e demagógico slogan: “Crescei e multiplicai-vos.”
Ocorreu-lhe ainda, séculos depois, diabolizar o sexo – mas já era tarde. O mal estava feito.
Esta noção de que Deus perdeu o controlo dos acontecimentos penetrou há séculos na sabedoria popular. Como pode ele vasculhar adequadamente as vidas de milhões e milhões e milhões de desalmados pecadores? É por isso que, na era moderna, ninguém teme as penas do inferno.
É lamentável que, desacreditado o totalitarismo divino, Deus tarde tanto em assumir as consequências dos seus actos e em refundar a religião, contribuindo assim para o descrédito dos fiéis que persistem em defender contra toda a evidência a razoabilidade dos seus actos.
Sabem vocês porque não acaba este nosso mundo apesar de tão obviamente ter excedido o prazo de validade? Ora, porque não pode!
Imaginemos que Deus decretava o fim dos tempos e convocava o Juízo Final. Já nem pergunto onde iria ele realizá-lo ou como seria possível deslocar para lá em tempo útil tanto bilião de ressuscitado.
Antevejo como inevitável que, após deixar-nos à espera durante horas e dias a fios, Deus, muito embaraçado, mas ainda assim incapaz de reconhecer que deixou de fazer fichas dos nossos pecados vai para cima de três mil anos, não teria mais solução senão dirigir-se aos microfones e anunciar-nos: “Meus amigos! Como o sistema está em baixo e os informáticos não sabem quanto tempo vai demorar a concertá-lo, tomei uma decisão que decerto vos encherá de júbilo. Estais todos perdoados! Let's party!”