Sobre o post do Miguel Morgado
No seguimento das discussões sobre as eleições americanas, o Miguel Morgado decidiu escrever um post sobre duas concepções de democracia moderna, que termina do seguinte modo:
Ninguém nega que, muitas vezes, a prática de alguns políticos conservadores, e que se reclamam desta concepção política, pode violar os seus preceitos. Isso aconteceu e acontece com regularidade. Mas essa constatação é menos importante do que compreender que por detrás das divisões entre esquerda e direita emerge uma diferença não insignificante no modo de interpretar a democracia moderna.
Mas isto parece-me óbvio, não acrescentando muito àquilo que nós já sabemos sobre posicionamentos ideológicos distintos. O que serão as diferenças entre esquerda e direita para além de interpretações alternativas sobre o papel e significado de democracia e da política? Mas, a meu ver, o Miguel passa ao lado do verdadeiro problema. A questão mais importante em debate refere-se sobretudo ao facto de um dos campos sistematicamente violar as normas e prácticas que deviam ser património comum dos dois partidos. Ou seja, muitas das críticas (não todas, obviamente) não pretendem transformar uma posição particular (i.e. esquerda) num imperativo que todos devem aceitar (isso seria desqualificação do adversário); elas dizem respeito a uma acusação de violação de alguns entendimentos, supostamente partilhados, daquilo que deve constituir uma prática democrática saudável. Ora, aqui não há qualificativo de 'concepções de democracia' que sustente a posição do Miguel, pois não existe qualquer concepção de democracia aceitável onde a mentira, distorção das posições do adversário, e a procura cega de poder se tornem virtudes políticas. A noção de 'regime político' não é apenas um conjunto de instituições formais mas também exige um certo ethos. E é sobretudo nesse ethos que o partido republicano tem sistematicamente falhado. Como referi no post anterior, não é só a esquerda continental que diz isso. Insistir nesse tema contra todas as evidências, desqualificado as críticas por 'incompreensão de uma realidade distinta', é pura mistificação.

