let's talk (and think) about censura
rui bebiano, num post muito interessante, o seu terceiro sobre o assunto do momento, penitencia-se da sua reacção inicial. e acaba por considerar, na sequência deste post que já para aí apontava, que o mais importante nesta história é o impulso censor que vê surgir.
acompanhando a sua preocupação com esse impulso censor (consubstanciado, nomeadamente, nas 'recusas de serviço' por parte de servidores de net e de sistemas de pagamento on line -- a prisão de assange pode ou não fazer parte disso e creio que é um pouco cedo para concluir num ou noutro sentido), não acompanho a conclusão do rui.
primeiro, porque a wikileaks já divulgara informações muito prejudiciais para a imagem dos eua, relacionadas com as guerras do iraque e afeganistão e também consideradas secretas, e não se havia verificado uma reacção adversa (quer opinativa quem de corporações) como a que agora ocorre -- e é muito importante ter isso em conta, sobretudo quando se descrevem 'os campos' em confronto como o dos que acham que 'tudo deve ser dito a toda a gente' e os que 'entendem que os governos têm todo o direito de escolher o que é informação sensível e de a furtar aos olhares públicos, punindo quem se arrogue a dar com a língua nos dentes'. muita gente que agora se manifesta desagradada com a wikileaks não o fez perante as outras 'fugas'. e é capaz de não ser por acaso.
é que muito daquilo que tem vindo a ser publicado nos jornais 'escolhidos' (incluindo nesse grupo o nyt, apesar de ter sido desta vez preterido por assange) está muito longe de ser 'informações que dizem respeito aos cidadãos', ou matéria de interesse público indiscutível (alguma, como a lista dos locais sensíveis para a américa, parece-me mesmo o exemplo da negação do interesse público, a não ser que se considere como público a irmandade dos inimigos dos eua, nomeadamente aqueles rapazes da al qaeda); depois, porque a forma como a publicação tem decorrido, de um modo geral apenas reproduzindo os telegramas como se de testemunhos da 'verdade' se tratassem, é jornalisticamente muito discutível e, sobretudo, contraditória nos termos: publicadas em nome do 'direito de saber', as informações contidas nos telegramas diplomáticos são 'vendidas' pelos jornais sobretudo por se tratarem de segredos, não por serem fidedignas ou verificáveis (e não é pequena ironia, como o valupi assinala, que tanta gente que acha que os eua são a coisa pior que existe ao cimo da terra demonstrem uma crença fundamentalista em tudo o que ocorre dizer aos seus representantes diplomáticos).
e é nesse valor tacitamente acrescentado a seja o que for, desde que fosse suposto não ser público, que me parece residir o maior perigo desta história toda. não que essa espécie de ideologia da total transparência (e da qual joão lopes fala) não existisse já; mas é indesmentível que esta nova aventura da wikileaks lhe acrescentou virulência. e que isso esteja a ser protagonizado por alguns dos jornais mais respeitados -- e respeitáveis -- do mundo não é pouco relevante e está, obviamente, muito longe de ser um assunto que só deva interessar jornalistas. a censura, como supressão da liberdade de expressão (que é só uma manifestação da liberdade de ser e pensar, como orwell tão bem demonstrou) is a many splendored thing. e não vem sempre dos governos.
adenda: a propósito dos telegramas como 'verdade revelada', ler estrela serrano.