Estado de calamidade cinematográfica
O cinema que hoje se faz vive de efeitos especiais, fábulas simplistas e interpretações óbvias. Já nem sequer o sexo o recomenda, visto que as últimas cenas de cama poderosas datam do século passado.
Dá ideia de ser feito por garotos e para garotos intelectual e sentimentalmente adolescentes que produzem filmes com a mesma profundidade de espírito com que espremem borbulhas. A infantilização do cinema é tão completa que se tornou inútil tentar aplicar-lhe padrões de exigência equivalentes àqueles que utilizamos, por exemplo, para julgar uma obra literária.
O que se vê nas salas é aliás tão bera que as pessoas, quando vêem um filme mais jeitozinho, comovem-se até às lágrimas. Dizem-me que, há dias, romperam em aplausos numa sala de Lisboa no final de O Discurso do Rei - uma historieta elementar que falsifica grosseiramente a verdade histórica, ainda por cima com prejuízo para o seu impacto dramático.
Inversamente, confrontadas com algo um bocadinho mais complexo como O Cisne Negro, sentem-se perturbadas por levarem para casa alguma coisita para pensar - e muitas (críticos incluídos) reagem mal à invulgaridade da experiência. Num mundo de cisnes brancos, faz uma certa confusão. Não estou a dizer que é um grande filme, muito menos uma obra-prima. Mas, ao lado da concorrência, até parece.