E se a ameaça ao Euro fosse Politica?
Foi notícia de abertura dos telejornais e capa dos jornais franceses: Marine Le Pen, a nova líder da extrema-direita descomplexada francesa surge em primeiro lugar nas intenções de voto para as presidenciais de 2012. E chegam os detalhes: 23% dos eleitores da Marine Le Pen dizem-se próximos da extrema-esquerda e 36% sem filiação partidária. Faltam ainda dados sobre os abstencionistas que, por descrença ou desespero, podem deixar de o ser por encontrarem no seu discurso o tom paternalista que aparentemente reconforta. O sucesso crescente da extrema-direita que se quer nacionalista e social é pois inegável.
No contexto actual seria um erro lidar com estas notícias como se, apenas, de política interna francesa se tratasse.
A Europa sempre precisou de um pacto franco-alemão para avançar e Marine Le Pen é muito clara na sua visão da Europa: a Europa de Bruxelas é inimiga do Estado-nação, faz parte do “complô” da globalização – por isso promove a imigração clandestina – e constrói-se contra a vontade soberana dos povos. A solução para a crise que também atinge a França, para a senhora Le Pen, é pois simples: a saída imediata da zona Euro.
E quanto ao futuro da própria União? Isso logo se vê…
Como é óbvio nada disto se baseia em qualquer estudo sério sobre as consequências sociais e económicas de tais medidas.
O mais grave é que Marine Le Pen não está sozinha. Um pouco por toda a Europa temos assistido apaticamente à subida ao poder de movimentos eurocépticos cada vez mais radicais. Suécia, Holanda, Itália, Hungria, Finlândia já têm que lidar com a extrema-direita no poder. E mesmo certos sectores alemães já consideram a Chanceler Angela Merkel demasiado liberal e europeísta. Fala-se muito da pressão dos mercados sobre o Euro mas ecoa o silêncio quando se trata de avaliar a ameaça política. Aliás o discurso político pura e simplesmente desapareceu. E quando falo de politica, falo da dimensão humana. Pois a política é isso. E o que fazem estes movimentos mais extremistas são discursos políticos. Populismo? Demagogia? Má política? Certamente. Mas eficaz e perigosa resposta à aridez e à desumanidade do discurso financeiro dominante.
Quanto mais a Europa hesitar em assumir-se como um espaço de unidade, quanto mais omitir os princípios que estiveram na sua origem e recusar o aprofundamento dos mesmos, enquanto continuar a pensar-se como uma junção ocasional de interesses particulares dos Estados membros e não como um todo, apesar de partilhar a mesma moeda, mais este novo “nacionalismo social” progredirá.
Ora vejamos o que defende politicamente a Senhora Le Pen e o seu nacionalismo social (nacional socialismo?).
Fidelizado que está o seu eleitorado mais racista e xenófobo - basta nunca perder uma ocasião de designar os emigrantes, sobretudo se forem muçulmanos, como a origem do todos os males e uma ameaça permanente - a senhora Le Pen pode dedicar-se ao eleitorado mais à esquerda recuperando aliás algumas das ideias da tradicional direita conservadora que se inspira no General de Gaulle. A senhora Le Pen assume-se como uma anti-liberal convicta: contra os bancos, contra a especulação financeira. Defende os serviços e funcionários públicos e os grandes investimentos do Estado. Qualifica até a Europa de “catalisador” de uma vontade de desmantelamento do Estado. Para os anarco-niilistas, tanto de esquerda como de direita, denúncia os supostos conluios entre partidos de poder, a distância entre as elites e o povo; o clientelismo e promove o enxovalho indiscriminado da classe política. No actual contexto de crise é obvio que este discurso encontra terreno fértil. Mas em dimensões que até surpreendem os partidos e organizações historicamente mais contestatários. Não deixa de ser revelador que a CGT, equivalente francês da nossa CGTP, tenha sido obrigada a expulsar delegados sindicais que se apresentam como candidatos nas listas da Frente Nacional nas próximas eleições regionais. O mesmo se passou no sindicato Lutte Ouvrière da mítica trotskista Arlette Laguiller. Surpreendente? Talvez não tanto. Preocupante? Sem dúvida.
Preocupante a subida dos movimentos extremistas, preocupante a obstinada cegueira da Europa. Ninguém hesitou em comparar a actual crise com a crise de 1929, mas poucos querem relembrar as consequências da mesma: o exacerbar das rivalidades económicas entre os Estados, o crescimento exponencial dos nacionalismos mais ferozes.
Qualquer semelhança com a atitude sobranceira de certos países do norte da Europa em relação aos “ malcomportados” do sul, que condenam à recessão como acção punitiva, será mera coincidência?
Poucos querem lembrar que a esclerose de mecanismos de regulação política em muito contribuiu para os dois grandes conflitos mundiais do século XX. Que a criação de uma comunidade Europeia permitiu que, durante mais de 50 anos, o velho continente vivesse em paz, substituindo ao conceito de concorrência entre Estados a noção de cooperação e solidariedade entre povos.
Tão seguros que estamos da nossa superioridade democrática, e apesar da equiparação entre 1929 e 2007, consolamo-nos com uma certeza inabalável, digna da euforia dos anos 20 que considerara a primeira guerra mundial como a última das guerra (la “der des der”): ameaças aos regimes democráticos só do outro lado do Mediterrâneo!
No entanto o discurso da senhora Le Pen tem o mérito da pouca ambíguidade. Defende um Estado forte mas que tenha, e passo a citar, “os instrumentos técnicos e legais, que assegurem o seu poder”. Vindo de quem vem teme-se o pior. E para que não haja dúvidas fala da Escola pública como instrumento essencial para a construção de um Homem Novo. Como diriam os franceses: le mot est dit.
O Presidente da República no seu polémico discurso apelou a um sobressalto cívico. Apesar de não duvidar das profundas convicções democráticas do Prof. Cavaco Silva, conviria talvez esclarecer em que sentido. Pois o que não falta actualmente por essa Europa fora são movimentos a fazerem o mesmo apelo mas pelas piores razões e com as mais duvidosas das intenções.