É o mais sucinto que consigo, sem perder todo o rigor.
O Código dos Contratos Públicos (em vigor desde 2008), por razões de transparência na prossecução do interesse público através da actividade contratual do Estado, prevê um conjunto de procedimentos pré-contratuais. Entre eles o ajuste directo e o concurso público.
É o Código (em vigor desde 2008) que prevê as regras para determinar se para um certo tipo de contrato se pode aplicar o ajuste directo ou outro procedimento pré-contratual qualquer.
Há várias regras potencialmente aplicáveis: umas levam em consideração o valor do contrato a celebrar; outras, circunstâncias especiais em torno do contrato (urgência, sigilo, interesse público, etc); outras ainda aspectos específicos de um certo tipo de contrato (empreitadas de obras públicas, aquisição de serviços, etc).
Só depois de se aplicar estas regras é que se fica a saber se se pode utilizar o ajuste directo.
Depois disso, e sendo possível, podemos ir ver quem tem competência para lançar o procedimento de ajuste directo. Segundo o CCP (em vigor desde 2008), tem essa competência quem tem competência para autorizar a despesa envolvida no contrato. Contudo, não é o CCP (em vigor desde 2008), que prevê quem tem competência para o fazer: até dia 22 de Março de 2011 era um diploma de 1999. Agora é o DL 40/2011.
Vamos a esse diploma - como íamos ao de 1999 - para saber quem, especificamente, pode lançar o procedimento pré-contratual. Note-se que a entidade em causa não vai mudar nada do que ficou determinado para trás. Vai apenas abrir o procedimento, cumprindo o Código (em vigor desde 2008).
O diploma da passada terça-feira, dia 22 de Março, aumentou os valores que determinadas entidades podem autorizar, para todo e qualquer procedimento aplicável (ajuste directo, concurso público, etc). Mas só podemos saber se é ajuste directo ou não se aplicarmos o CCP (em vigor desde 2008) e ele - e apenas ele - o permitir.
Por exemplo: se o CCP (em vigor desde 2008) permitir que um contrato de aquisição de serviços no valor de 5 milhões de euros seja feito por ajuste directo - e a ser possível, só o CCP (em vigor desde 2008) ou legislação especial o pode prever - o diploma da passada terça-feira apenas nos vai servir para saber quem pode, formalmente, lançar esse procedimento, por ter competência para autorizar a despesa. E, em último caso, sempre o Conselho de Ministros o iria poder fazer.
*
Já agora, para que fique absolutamente claro: pode discutir-se se esses limites deveriam ser aumentados mas apenas da perspectiva de ser aquela entidade ou outra (por exemplo em vez de ser o Director-Geral, ser um Ministro ou o Primeiro-Ministro) para efeitos de importância e responsabilidade política-administrativa e/ou, como invoca o diploma, de autonomia (desnecessidade de delegação de competências) dos serviços.
Mas não foi esta a discussão que surgiu no Diário de Notícias, no Jornal de Negócios, no Sol, nas palavras de Miguel Relvas ou, pelo que pude perceber, no twitter da PORDATA. Pelo contrário, o que aí surgiu foi a total confusão entre autorização de despesa e determinação do tipo de procedimento pré-contratual aplicável em função do valor de um contrato e de outros critérios legais. E, pior, em alguns casos: uma terrível manipulação e distorção da realidade para além de demagógico aproveitamento político.
Não digo que isto seja matéria fácil. Não é. Mas exactamente por isso devemos ser prudentes, críticos, sensatos e não nos precipitarmos.