A verdade das contas públicas não é aquilo que o homem quiser
Passos Coelho, António Barreto, Francisco José Viegas, etc., querem uma auditoria às contas públicas, porque, dizem-nos, já se fez o mesmo passado e, acrescentam, ninguém conhece a verdadeira Verdade sobre as contas portuguesas.
Primeiro, em 2002 e 2005 não houve qualquer auditoria às contas públicas. O que aconteceu foi que o Banco de Portugal, a pedido dos partidos que tinham acabado de vencer as eleições, apresentou estimativas para os défices dos respectivos anos, caso não fossem tomadas medidas adicionais. Parece o mesmo que uma auditoria, mas não é. Tendo em conta que, há menos de um mês, o BCE e a Comissão Europeia, com base em informação recolhida numa visita técnica a Portugal, estimaram que o défice ficaria em 5.35%, estas pessoas, das duas uma: ou estão a pedir que Carlos Costa repita um exercício que acabou de ser feito por essas instituições - e, portanto, estamos perante um pedido redundante; ou, mais grave, estão à espera que Carlos Costa desautorize não apenas o Governo português (este é o objectivo de quem tem exigido a tal auditoria), mas também o trabalho dos próprios BCE e Comissão Europeia. Podemos discutir se faz ou não sentido confiar no trabalho destas instituições. O que me parece mais difícil é convencer Carlos Costa a participar nessa discussão.
Segundo, Passos Coelho, António Barreto, Francisco José Viegas, etc., podem não estar satisfeitos com a verdade que existe. Mas esta suspeita tem um pequeno problema: as nossas contas são regularmente auditadas pelo Tribunal de Contas, INE, Eurostat, Comissão Europeia e BCE - não são uma invenção do governo ou uma mistificação criada pelo aldrabão do Sócrates. Seja qual for a Verdade que desejam, a verdade sobre as contas públicas portuguesas será sempre aquela que, em cada momento e de acordo com um conjunto de regras, procedimentos e convenções contabilísticas, vai sendo apurada por essas mesmas instituições. Ao insistir na tese de que não se conhece a Verdade sobre as contas públicas, Passos e companhia não estão apenas a dizer que não confiam em Sócrates. Caem no absurdo de dizer que não confiam num conjunto de instituições a que teriam necessariamente de recorrer caso o seu pedido de uma auditoria às contas públicas fosse aceite.