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Comité (falhado) dos interesses do sector financeiro

Como complemento deste texto do Nuno Teles sobre a obsessão (neurótica) do BCE com a inflação, vale pena ler o que Merijn Knibbe escreveu no blog Real World Economics sobre o mesmo tema. O post incide sobre o mais recente discurso de Trichet na Comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu. Para Merijn Knibbe, este discurso de Trichet é a prova de uma coisa muito simples: a interpretação que o actual BCE faz do seu mandato transforma-o, apenas e só, num comité de defesa dos interesses do sector financeiro. Para o BCE (Draghi não será diferente de Trichet), o desemprego e o crescimento económico são irrelevantes e estão para além das suas responsabilidades. Só interessa a inflação, sobretudo aquela que, na sua cabeça, existe enquanto ameaça permanente. Merijn Knibbe sumariza do seguinte modo as palavras de Trichet:

  • o crescimento económico está abaixo do potencial;
  • a inflação, causada por um aumento dos preços da energia e das matérias primas e do IVA, está a abrandar mas pode aumentar devido a aumentos adicionais do IVA e à escassez do petróleo;
  • com o aumento do IVA e dos preços da energia e das matérias primas, os salários reais deviam baixar para evitar a inflação e o crescimento da massa monetária tem de ser contido para evitar aumentos de salários - todo o desemprego inferior aos actuais 9.9% pode levar a pressões inflacionárias;
  • e, horror, o desemprego pode baixar no próximo ano, o que pode encorajar, ainda mais, o crescimento dos salários;
  • já agora: o crescimento do M3 (um dos agregados monetários que o BCE tenta controlar) está muito abaixo do objectivo.

Como a economia é um saber histórico, é inevitável que o imaginário dos economistas alemães seja influenciado pela experiência traumática da hiper-inflação de Weimar. O que já não é aceitável é quando esse trauma se transforma em (pseudo) verdade científica e determina toda a actuação do BCE. Quando tal acontece e se vê ameaças inflacionárias em tudo o que mexe, deixamos a economia e entramos no domínio da compulsão, da paranóia e da psicopatologia. Independentemente do juízo que façamos sobre a (ir)racionalidade desta posição, a obsessão com a inflação tem consequências económicas, sociais e políticas perversas, porque institucionaliza a chantagem sobre os trabalhadores: ou aceitam reduzir o salário nominal (pouco provável) ou pagam com desemprego (o que tem sucedido).

 

A subida de juros anunciada hoje por Trichet parece confirmar tudo o que Nuno Teles e Merijn Knibbe escreveram nos seus textos: a obsessão do BCE com a inflação não serve os interesses do trabalho nem, já agora, beneficia a economia real.  No entanto, esta política não é perversa apenas por cuidar exclusivamente dos interesses do capital financeiro e dos credores: como a inflação se transforma num fetiche, a actuação do BCE acaba por ser economicamente ruinosa e, portanto, contraproducente. Ou seja, não necessário recorrer a uma lógica de tipo luta de classes; a prazo, e apesar das aparências, esta política não serve os interesses de ninguém.

 

Mais do que criticar as agências de rating, a resolução dos problemas de Portugal e da zona euro passa, sobretudo, por exigir uma reforma da actual independência do BCE, porque esta corre o risco de se transformar numa forma inaceitável de quase-soberania. Como a política monetária é uma forma de poder executivo, é imperioso sujeitar o BCE a mecanismos de escrutínio democrático. O objectivo não tem de ser a completa subordinação do BCE ao poder político, basta a proximá-lo daquilo que é a prática da maioria dos bancos centrais. Lutar contra isto é um imperativo democrático, económico e, no momento actual, tendo em conta o desastre que se avizinha, também financeiro.

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