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o burqalção

Há alguns anos que ando a pensar nisto. Por que raio os homens de todas as idades, mas sobretudo os mais jovens e até os infantes, deram em andar na praia de calções largos até ao joelho, as mais das vezes com padrões e cores hiper gritantes e saloios, fazendo dos areais uma parada de pintos calçudos incompreensivelmente orgulhosos da sua figura? Este fenómeno, do qual me fui dando conta com incredulidade, atinge já até os filhos das minhas amigas – que me garantem que os adolescentes de 12 e 13 anos já não admitem outra coisa senão aquele desconchavo, deixando as mães à beira do suicídio – e até alguns amigos adultos, que tentam justificar a opção com argumentos absolutamente disparatados, o essencial dos quais remete sempre para a pressão dos pares: “anda toda a gente assim e quem não anda é foleiro”.

 

A ideia de que para se ser uma pessoa aceitável em termos estéticos até sociais tem de se usar uma peça de roupa com determinadas características é muito típica dos homens – só assim se compreende que uma obrigatoriedade (entre aspas) tão injustificável como a o do uso de um lencinho inteiriçado de cores garridas ao pescoço (vulgo gravata) tivesse tanto sucesso no universo masculino. Os homens tendem a ser profundamente timoratos em termos de afirmação estética  individual e a conformar-se com o convencionalismo social e grupal. É algo que faz parte das inseguranças essenciais da afirmação “viril” – as mesmas que levam os meninos a ter horror a “roupa de menina”, a “cores de menina” e a “brinquedos de menina” – um horror criado pelo meio social e pela narrativa circundante e que no caso desta mania dos calções sobredimensionados tem manifestações como a verificada no Afonso, 14 anos, filho de uma das minhas amigas, que me afirmou usar calções compridos para que “os gays não lhe olhem para as pernas” (o que me levou a garantir-lhe -- enquanto a mãe lançava as mãos à cabeça de desespero, questionando-se sobre onde e quando tinha falhado na sua educação -- que, invariavelmente, aquilo que desperta nos homens a atenção dos homossexuais masculinos desperta a das mulheres, deixando-o pensativo q.b.).

 

Vejamos: quando se vai para a praia, a ideia é usar o mínimo de roupa, quer para evitar as marcas no bronzeado quer para libertar os movimentos na água – até para exibir aquilo que consideramos ser os nossos melhores predicados. Por algum motivo nenhum nadador de competição usa calções de pano e muito menos largos e compridos: é porque aumentam o atrito, pesam e, quando se sai da água, levam imenso tempo a secar, o que os torna profundamente desconfortáveis.

 

Pouca coisa, de resto, mais ridícula que o bronzeado de alguém que se passeia ao sol naquela figura – barriga bronzeada, coxas alvas até ao joelho e canelas escuras, maravilha (e escusam de explicar que os arregaçam quando se estendem ao sol, como se isso fizesse sentido). Claro que se compreenderia a opção, mesmo que se árdua e antipática, se esteticamente contribuísse para melhorar ou acentuar a elegância dos corpos, beneficiando o aspecto geral do portador. Sucede que os calções compridos e largos não ficam bem a ninguém. A ninguém mesmo (ouviram?). Nem aos mais afortunados. E, pior, tendem a agravar e sublinhar colossalmente aquilo que os próprios consideram defeitos. Por exemplo: há coisa pior que um homem baixo e gordinho com um calção que sublinha essas características, ao torná-lo ainda mais largo e atarracado, ou seja, mais patusco ainda, retirando-lhe da silhueta a única coisa que a podia melhorar e alongar, as pernas? E um homem muito magro, que bem que fica com aquelas bermudas tipo balão das quais saem, em baixo, dois ossos fininhos e que se lhe colam às coxas estreitas à saída da água. É de sonho.

 

Acreditem, homens: essas bermudas fazem-vos ridículos. Admito que ao verem-se ao espelho se achem magníficos, modernérrimos e super sexys, mas tenho notícias para vocês: não. E essa coisa de, quais muçulmanas pudibundas, privarem o universo da apreciação das vossas coxas é mesmo muito má onda. Dispam lá o burqalção, vá. Estamos a pedir. Não sejam meninas.  

 

(publicado na coluna 'sermões impossíveis' da notícias magazine de domingo passado)

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