"Family breakdown" etc.
No discurso de hoje sobre o que se passou nos últimos dias em Inglaterra, David Cameron afirmou às tantas:
Já vimos isto em qualquer lado: o famoso "visto familiar" do nosso Conselho de Ministros. Mas o ponto não é este: é a incapacidade ou de Cameron perceber (ou aceitar) que boa parte da dita "family breakdown" está inextricavelmente ligada ao funcionamento do mercado de trabalho. Se Cameron percebesse (ou aceitasse) que a dita irresponsabilidade familiar não pode ser separada da incapacidade de muitas das pessoas em causa manterem uma ligação durável ao mercado de trabalho, problema apenas exponenciado pela "flexibilidade" dos mercados e pelo regime anglo-saxónico do hire-and-fire, então teria que intervir no funcionamento destes mercados - algo que lhe é ideologicamente inaceitável.
Família implica compromissos, e compromissos implicam capacidade de os poder cumprir. Se se percebesse isto, percebia-se o motivo pelo qual tantas mães solteiras com poucas qualificações preferem não casar - não porque sejam "irresponsáveis", mas porque olham os pais da(s) criança(s) como indivíduos nos quais não podem confiar, tanto emocional como financeiramente -, ou porque não se conseguem integrar de forma durável num mercado de trabalho altamente flexível e que, em muitas ocupações, discrimina negativamente contra elas.
É que entre promessas que não podem manter - não podem garantir que o companheiro/marido possa trazer dinheiro para casa; não podem garantir que os humores do mercado ou do patrão as protegam, seja do despedimento, seja da humilhação quotidiana - e aquelas que podem - estar próximo das crianças, procurar que elas não crescem num ambiente violento ou sozinhas, etc. - elas preferem as segundas. É discutível? Será. Mas também é compreensível e, em alguns casos, legítimo.
Como é que Cameron (ou a direita) trata estas mulheres que não querem casar nem trabalhar? Como parasitas e irresponsáveis.
Quando se tem um martelo (reaccionário), todos os problemas são como pregos.