ironia, indeed. ó, tanta
escrevi aqui há dias sobre a evolução da bloga desde que nela comecei a escrever e como achava que se tinha perdido uma saudável capacidade de discutir sem caluniar, insultar ou fazer insinuações. carlos botelho, um bloguer que me habituei ao longo de muito tempo a considerar uma pessoa decente (ultimamente não o leio), acha graça a esse post. acha graça porque, para ele, o post entra em contradição com outro post mais recente que, não pode ele ignorar como não pode muito boa - e má - gente, tem a ver algumas das pessoas e derivas odientas de que falava no tal primeiro post.
tenho pena -- tenho sempre, juro -- quando vejo mais uma pessoa ir pelo caminho que certamente lhe surge mais fácil e conveniente, o de confundir o inconfundível e de fazer piadolas estultas, sonsas ou, pior, rascas e desonestas. a raiva e o ódio cegam, e vão cegando cada vez mais gente. era desse vírus que eu falava no tal post que tanta vontade de rir dá ao carlos: o vírus da raiva e do ódio gratuitos, pessoalizados, que se fundam em diferenças ideológicas e de opinião; a raiva e o ódio aos 'adversários' de ideias. a raiva e o ódio que permitem, como já sucedeu tantas vezes no blogue em que escreve, sem que tenha visto o carlos chocar-se com isso ou insurgir-se publicamente de algum modo, associar as ideias das pessoas a relações pessoais, insinuar dependências venais, denominá-las com base naquilo que se julga saber da sua intimidade. o carlos até já partilhou - se calhar ainda partilha -- o blogue com uma pessoa que ameaçou divulgar pormenores da vida privada de outra para tentar evitar um processo judicial por difamação (difamação pela qual veio a retractar-se). não o revoltou, isso. e isso é que é ironia.
porque, carlos, e não acredito que não veja isso (e isso é o mais triste, é que vê), é normal abominarmos e desprezarmos quem nos ofende e calunia e persegue. a nós, pessoalmente. à pessoa que somos, não às nossas ideias (não se caluniam ideias, mesmo se até há uma lei neste país que criminaliza a blasfémia -- mais uma ironia). é normal, legítimo e desejável defendermo-nos -- e portanto atacarmos, com maior ou menor violência, com maior ou menor determinação, consoante as tripas de cada um, quem atenta repetidamente contra a nossa dignidade.
nestes seis anos de bloga fui muitas vezes violenta - é a minha natureza. insultei, sim: não me ensaio em chamar burro ou idiota, e ocasionalmente coisas piores, como não me incomoda que mo façam. mandei gente a esta e aquela parte - na bloga como na vida; e fui mandada àqueloutra. mas não me lembro de alguma vez ter imputado acções vergonhosas ou desonrosas a alguém sem ter prova delas, de ter feito insinuações sobre vidas privadas ou de ter trazido à colação a intimidade das pessoas ou as suas relações familiares, de amizade, amorosas, sexuais, whatever. lembro-me até de ter várias vezes censurado quem o fez -- em blogues 'amigos' como em 'inimigos', e de o ter feito a defender tanto 'amigos' como 'inimigos'.
e certamente não andei a roubar imagens de facebooks privados, nem trafiquei mails de mailing lists de blogues, nem fiz equivaler assessores a vendidos ou deputados a comprados. não apelei decerto a que se investigasse quem assina sob este ou aquele pseudónimo nem defendi a existência de blogues conspirativos ou subvencionados por partidos (mesmo se possa ter suspeitas, jamais o escreveria sem ter certezas e provas). e não comparo ninguém, por motivos de discordância política, a criminosos de guerra ou a ditadores sanguinários e seus homens e mulheres de mão -- como o carlos permite que se faça nas suas caixas de comentários, e como tanta gente acha tão giro fazer, sem outro motivo que não o do ódio mais doentio e desprezível e aparentemente sem se dar conta do quanto banaliza e apouca os crimes e os regimes hediondos que refere e os seus milhões de vítimas.
não me lembro de alguma vez ter feito aquilo que se tornou, para tanta gente, vulgar, fácil, óbvio: assumir que quem fala comigo ou que quem fala por aí não diz o que quer, não é dono de si próprio, não é livre -- que diz o que diz porque lho encomendaram, ou porque lhe pagam, de uma qualquer forma, ou espera que lhe venham a pagar. nunca usei a palavra 'vendido'. e nunca a usei porque para o fazer teria de saber sem dúvida que o que dizia era verdade, que não era só 'uma boca'.
levo o meu nome, a minha liberdade e a minha honra pessoal e profissional muito a sério. é que não tenho mais nada. e como acho que ninguém tem, mesmo quando pensa o contrário, tendo a tratar a dignidade dos outros como exijo que tratem a minha.
claro que nem toda a gente foi agraciada com a maldição de uma memória tão extensa. conheço até quem, depois de me ter renitente e obsessivamente vilipendiado e caluniado, queira cumprimentar-me na rua, com muitos sorrisos e voz maviosa, ou propor-me ramos de oliveira, como se fosse tudo uma brincadeira, como se tivéssemos todos água das pedras, com bolhinhas e anti-enjoo, nas veias. eu não tenho. já tive de explicar a umas tantas dessas pessoas, em pessoa, que não sou uma forgiving person. não dou a outra face; não dou o desconto; não dou abébias.
não esqueço nada. fui desenhada assim. chamo pulhas aos pulhas. chamo filhos da puta aos filhos da puta. mas no caso deles, não é insulto e muito menos descer de nível: é adequado e justo, outro nome não lhes vai bem. seria faltar ao respeito dos respeitáveis, assim como ao respeito que me devo, chamar-lhes outra coisa ou pensar neles de outra maneira.
e não, não se trata, como li por aí e como subentende no seu post, de chamar pulhas aos adversários políticos; trata-se de haver quem se porte com os adversários políticos como pulha, quem use a pulhice como arma política, quem faça da política pulhice. pelos vistos, isso a si não o incomoda; pelos vistos, o que o incomoda é que as vítimas da pulhice se levantem e digam 'olha o pulha' ou 'chega'. enfim: what's new.
e agora que limpei o fígado, siga o baile.
(ah, carlos, e continuando a fazer-lhe talvez o favor de não o considerar estúpido, não acredito que não tenha percebido que naquilo que tem sido referido como 'caso figueira' não está em causa 'confundir trabalho com colaboracionismo', ou estabelecer fronteiras ideológicas para as relações - essa dos seus amigos comunistas é ao nível do kindergarten --, como nunca deveria estar em causa, e tantas vezes tem estado para tanta gente, a começar por tantos dos seus companheiros de blogue, atribuir ideologias com base nelas ou 'derivadas' delas mas, lá está, ironia, aplicar à pessoa o quadro de leitura que esta aplica aos outros. o daniel explica. e, claro, pautarmo-nos por critérios de mera decência. tão simples, não é?)