A "estratégia"
Diz-se que o Governo parece uma barata tonta e que, em desespero de causa, não tem outra opção que não passe por aumentar impostos para cumprir o memorando da troika.
Há uma outra hipótese. Bem sei que a minha intuição é sinuosa e improvável, mas dada a invulgar concentração de massa cinzenta em São Bento e arredores, não é de menosprezar o maquiavelismo, mesmo que de algibeira. Talvez exista uma "estratégia", que tem dois momentos:
Momento A
Violam-se todas as propostas eleitorais sobre a consolidação orçamental do lado da receita. Aumenta-se tudo o que mexe: IVA, IRS, IRC, inventam-se taxas "adicionais" e impostos "extraordinários", afinal, o osso da conhecida estratégia da incompetência socialista. Avança-se com o corte nos benefícios fiscais, medida que, quando projectada no passado, fazia parte de um vergonhoso saque esquerdista à classe média. Corta-se despesa pública que, afinal, em vez de alimentar a obesidade do monstro, servia o dia-a-dia da maioria dos cidadãos (transportes, medicamentos, etc.). A Taxa Social Única, a bala mágica da competitividade, a "menina dos olhos" de Moedas, estudada e testada e validada e replicada e demonstrada por grupos de trabalho com meses de estudo sobre o assunto antes das eleições legislativas, afinal é uma extraordinária incógnita, quase do domínio da fé, e Gaspar tem medo que não provoque outra coisa que não seja um enorme buraco orçamental.
Resultado: o país que acreditou no discurso político de PSD e CDS do último ano e meio, e que se revelou ser um colossal embuste, espuma de raiva (e com razão). Ouve-se: "afinal são iguais aos outros"; "são piores, andaram a enganar o povo", etc.
Momento B
Deixa-se acumular a pressão dentro da panela até o máximo possível; depois, retira-se a tampa no momento certo. Quando chegar o momento dos cortes na despesa pública - e ele chegará, não há dúvidas -, a parte do país enganado e enraivecido aplaudirá os cortes desesperados e violentos (provavelmente tão desesperados e violentos como os aumentos de impostos dos últimos 2 meses). "Até que enfim!"; "é bem feito!"; "estava a ver que não chegava a vez dos funcionários públicos!", "já chega de sermos sempre nós a pagar com mais impostos", "acabem com esses sorvedouros", etc..
Moral da "estratégia": a esperança do Governo é capitalizar o ressentimento de milhões de contribuintes que enganou nestes 2 meses.