O "milagre sueco" não aconteceu (2)
Respondendo ao repto do Alexandre Homem Cristo, e respeitando a divisão dos argumentos pelos mesmos pontos:
1. Não responsabilizo as free schools pelos resultados da Suécia no PISA. Por isso, fiz questão de lembrar que estas ainda têm um impacto quantitativamente residual no sistema (poucas escolas, poucos alunos); especulo ainda que, em alguns casos, o afluxo de estudantes que não têm o sueco como lingua materna – e onde a pobreza infantil é bem mais elevada do que a média – pode ajudar a explicar a evolução negativa no PISA. Isto é, tentei precisamente evitar cair na tentação esquerdista de culpar o sistema de vouchers.
Dito isto, fui aos resultados do PISA entre 2000 e 2009 e fiz o que me pareceu exequível mais rapidamente, que foi comparar os resultados dos alunos nascidos na Suécia e de pais suecos (os natives) com o resultado em cada um dos domínio avaliados. Não encontrei resultados para a literacia matemática e a literacia científica em 2009, mas o padrão é claro (ver gráfico): os natives acompanham a evolução global. Aliás, o peso de alunos de origem estrangeira mantém-se – contrariamente ao que eu próprio supunha - quase inalterada entre 2000 (10,5%) e 2009 (11,7%). A culpa dos resultados não parece, à primeira vista, ser da imigração. É preciso estudar melhor o que se passa.
2. O Alexandre Homem Cristo escreve: “Não é certo se [a reforma] produziu efeitos positivos ou negativos (cada escola é um caso), mas é certamente esta reforma administrativa que o Prof. Espada aprecia e o leva a falar de “milagre sueco”.
A única citação de João Carlos Espada que refiro é aquela onde o autor liga, explicitamente e na mesma frase, “resultados” aos “milagre sueco”: "Os resultados desta reforma têm sido espectaculares. A qualidade do ensino, medida pelos resultados alcançados em exames nacionais, melhorou exponencialmente. Por isso, os ingleses foram estudar o "milagre sueco"."
É sempre o mesmo problema: confiundir “revolução” no processo (que existiu) com "revolução" nos resultados (que não existiu)*. A confusão é, aliás, muito conveniente.
3. Sobre este ponto, a fonte para o que referi relativamente às questões de acesso aos dados é um documento que já tinha linkado. A autora escreve: “Evaluation of the reforms is especially difficult because Sweden does not routinely collect administrative test score and demographic data on all pupils in the country, as England does. Externally marked test score data in maths, English and Swedish are available for around 30 municipalities, but for the remainder, researchers are restricted to using grade levels that are not consistently standardised across the country.” (p.2)
Neste livro, também os autores se queixam que, nos testes nacionais do 9.º ano (sim, como o Alexandre Homem Cristo aponta e bem, existem testes nacionais no fim da escolaridade obrigatória [a sueco, a matemática e a inglês] desde 1944; eu referia-me, no post anterior, a exames no fim do secundário, mas não explicitei), “the data made available for evaluation purposes have only been (…) for a sample of municipalities”, o que, entre outras coisas, tem limitado “the opportunity to gain valuable information about the effects of Swedish education policies in general and the reforms of the 1990s in particular” (p.135).
É verdade que houve mudanças recentes na centralização sistemática de informação dos testes (desconheço, porém, se a informação socioeconómica dos alunos também já é universal e centralizada), mas – e era mais isto que pretendia dizer - não existem (que eu conheça) estudos académicos que integrem já todos estes elementos (será ainda cedo). Por isso, a avaliação do impacto da reforma no sistema continua a ser relativamente difícil e fragmentada.
É verdade, a comparação não só tem limites, como não terá qualquer relevância estatística: estamos a falar de 6 pontos percentuais (94% vs. 88% de aprovações). E isto não inclui a questão da segregação social e étnica que pode muito bem explicar esta evolução menos positiva das escolas municipais. Sobre essa questão, prossegue:
O facto de serem abertas a alunos de todos os níveis socioeconómicos faz, claro, parte da promessa democratizadora das free schools. Por isso é que é importante perceber se, na prática, essa democratização se cumpre. Ora, o que a maioria dos estudos mostra é que a segregação social e étnica aumentou:
- “there is some evidence that an effect of increased school choice in Sweden, following the 1992 school reform, is to induce greater segregation of pupils by parental education and second-generation immigration status.” (p.41)
- “grade-based admission system increased sorting of students to schools according to their ability. Less expected was that segregation also increased along all other observable dimensions, particularly along the ethnic and socio-economic lines. All these changes were reasonably large and statistically significant.” (p.24)
5. Sobre a subida dos resultados do PISA ao longo da década em Portugal ser um “caso raríssimo entre países desenvolvidos”, fica – de modo devidamente documentado - para outro post, porque extravasa o tema deste. Digo apenas que o Alexandre Homem Cristo está a exagerar bastante.
Resumindo: o meu objectivo não era dar a ideia que a reforma sueca deu origem a um terrível monstro neo-liberal. A reforma, que foi muito profunda, tem virtudes e tem problemas, mas o seu impacto nas diferentes dimensões está ainda a ser estudado. Tanto a esquerda como a direita podem e devem aprender com este work in progress. Nas áreas onde as free schools têm implementação mais forte, os resultados parecem ter melhorado (mas muito residualmente, e parecem não ter efeitos positivos poucos anos depois nos mesmos alunos), mas os custos de financiamento subiram, e a segregação também.
É evidente que qualquer avaliação convoca os factos conhecidos e critérios normativos. Se os segundos podemos discutir livremente, é importante conhecer o que nos dizem, com mais ou menos segurança, os primeiros. E o que sabemos é que não há “milagre” nenhum. Num dos estudos mais recentes e creditados, conclui-se que “the impact of a 10 percentage point increase in the private school share on average 9th grade is just below 1 percentile rank point. We consider this as a fairly small effect” (p.22). O que quer que queiram chamar a isto, não é uma “revolução”. Mas também não estamos a falar de um “cataclismo”; aparentemente, alguns receios que existiam não se verificaram, como, por exemplo, a associação entre notas dos alunos nos exames e o background socioeconómico familiar, que se mantém – pelo menos ainda - estável.
O que há é cada vez menos paciência para a manipulação e uso do caso sueco para efeitos do que só posso chamar de propaganda ideológica.
* Num texto cujo link infelizmente já não funciona [será possível encontrá-lo noutro local?], o próprio Alexandre Homem Cristo escrevia há algum tempo que as reformas suecas foram premiadas com “com muitos bons resultados nos rankings internacionais. Mas quais resultados?