Ventos de mudança: a Primavera católica?
Embora, usando as palavras de Januário Torgal Ferreira, «uma andorinha não faça a Primavera», algumas notícias, de Portugal inclusive, revelam cada vez mais andorinhas entre os dignitários e padres católicos.
Numa entrevista que vale a pena ouvir na íntegra, Januário Torgal, que recorda o passado de vergonha de uma Igreja que se calou e se ajoelhou diante de Salazar - e cala e ajoelha* perante todos os governos que lhe mantenham os privilégios e imponham as suas aberrações "morais" -, afirmou não querer ser cúmplice de uma situação em que uma "multidão de pessoas" "já foram desapossadas da sua dignidade, do respeito por elas próprias", situação criada por um governo a que aponta falta de sensibilidade nuns casos e perfeita incompetência em outros.
Mas se esta entrevista é surpreendente pela sua coragem e honestidade, mais surpreendente é a coragem de muitos padres que exigem as reformas mais óbvias na Igreja que consideram ser também a sua e não apenas a do Vaticano. Um pouco por toda a Europa, abalada pelos sucessivos escândalos de abuso sexual de menores e pelo papel pouco abonatório do Vaticano em todo o processo, e em particular na Áustria, onde cerca de 4 centenas de padres lançaram em Junho um "Apelo à Insubordinação" que contesta muitas das directivas do Vaticano e se insurge contra a autoridade absoluta do Papa, muitos são os que exigem uma reforma da Instituição, que a retire da Idade Média e a traga pelo menos para o corrente milénio.
Mesmo sob ameaça de excomunhão, os padres austríacos envolvidos no movimento reiteram a primeira linha do seu manifesto, «Em todas as missas, intercederemos em prol de uma reforma da Igreja», reforma essa que passa pelo fim da exigência do celibato, pela ordenação de mulheres, por um verdadeiro ecumenismo e pelo direito de crentes não ordenados participarem mais activamente na vida das paróquias onde não existem padres. Sem surpresas, um inquérito conduzido entre a população austríaca, que criou o movimento "Nós Somos Igreja" e onde a taxa de abandono da ICAR é uma das mais altas da Europa, indica que quase 4 em cada 5 dos inquiridos apoia a insurgência eclesiástica.
Como referiu um dos activistas austríacos, Anton Achleitner,«Vai haver uma revolução de gente da Igreja na Aústria. Faremos da praça St. Stephen (em frente à catedral de Viena) a nossa praça Tahrir». Espero, sinceramente**, que muitas praças Tahir floresçam pelo mundo católico e que o epílogo desta história, tal como o epílogo da história árabe, seja um avanço e não um retrocesso.
* para não ir mais longe, é só pensar no que acontece na Madeira.
** sinceramente porque, contrariamente ao que carpem muitos dos habitués católicos chez Jugular, eu e a maioria dos ateus não somos anti-religião/catolicismo, somos anti intromissão da religião/ICAR em assuntos que não lhe dizem nem deveriam dizer respeito.