Uma escolha desastrosa
Ao contrário do que diz Vítor Gaspar, o principal objectivo do memorando não é atingir as metas quantitativas que lá estão inscritas. É, isso sim, garantir que Portugal paga as suas dívidas e que, nesse processo, não destrói a sua economia e o modo de vida dos seus cidadãos. Ou seja, o memorando não é um fim em si mesmo, é um instrumento, e o texto assinado em Maio foi, à data, o compromisso possível para atingir esses mesmos objectivos. O que este OE revela é que, perante circunstâncias radicalmente distintas daquelas que estiveram na base do memorando original, o governo escolheu adaptar o memorando reforçando, de forma brutal, a austeridade. Em circunstância alguma se pode dizer que este governo se limita a executar o memorando, porque a responsabilidade das suas sucessivas actualizações transcende, em muito, a de uma mera execução. Este governo - todos os governos - são, pois, sempre necessariamente co-autores das diferentes versões que o memorando vai assumindo, e, como tal, devem assumir a responsabilidade pelas suas escolhas. Com este OE, o governo está a dizer uma coisa muito simples: independentemente das circunstâncias, nacionais e internacionais, a nossa única via é a austeridade. Como é óbvio, isto não decorre de qualquer texto assinado. Que a austeridade se confunda com o objectivo de Portugal pagar as suas dívidas é um juízo da exclusiva responsabilidade deste governo. Há várias formas de honrar compromissos. Tendo em conta o que está prestes a acontecer à economia europeia e mundial e tudo o que sabemos sobre a eficácia da austeridade, uma coisa é certa: o caminho escolhido pelo governo não é uma dessas formas.