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Nova ficção portuguesa

Veio parar-me às mãos um argumento para uma nova séria portuguesa, uma espécie de parente pobre dos Homens do Presidente, que a TVI transmitiu há uns anos. Vem sem autor, mas nestas coisas, não demorará muito que alguém se chegue à frente a reclamar a autoria. Afinal, os Emmys estão à espreita.

 

Num país imaginário mas semelhante a Portugal e no presente ano, a intriga gira em torno dos actores políticos e das suas relações. Um carismático líder de esquerda perdeu recentemente as eleições para uma coligação de centro direita. O sistema político do país, tal como o nosso, conta com um Presidente da República, que é de um dos partidos da coligação governamental. A oposição é liderada por um homem do principal partido de esquerda, que há muito esperava a sua oportunidade. O país está sob o jugo de um acordo com uma troika do FMI/BCE/UE.

 

A intriga é interessante porque assenta em maquiavélicos jogos palacianos que se têm que adaptar à crise internacional que o país vive. Até agora o que me tem seduzido mais é a clivagem, ainda mais ou menos latente e pouco explorada pelos media, no seio do Governo (isto até ao episódio 4). Parece que a personagem do Ministro das Finanças lidera uma facção, que tem inicialmente o ascendente, e que é composta por ideólogos de uma terrível austeridade. São personagens complexas que, por um lado, têm o condão de irritar com a sua austeridade maníaca e obsessiva e, por outro, o condão de despertar alguma admiração quando percebemos que são, afinal, as únicas personagens que acreditam no que estão a fazer. Esta facção, contudo, está a ser minada por uma fascinante intriga que conta com o Presidente da República, importantes figuras do Governo que odeiam o Ministro das Finanças e o próprio partido que lidera a oposição!

 

Foi aqui que fiquei preso ao argumento (a partir do episódio 12): por um lado, fartos do carácter de snobismo moral e de austeridade ideológica e, por outro, com os olhos nas sondagens e com medo de que a crise, ao invés de passar, pudesse agravar-se, levando os eleitores a não suportarem mais austeridade, os membros do Governo que estão contra o Ministro das Finanças e seus acólitos começam a divisar um plano para lhe tirarem o tapete e manterem o poder.

 

Em primeiro lugar, inventam uma querela entre Presidente da República e Governo, na pessoa do Ministro das Finanças, conseguindo fazer passar a ideia nos media de que o Presidente simboliza o Estado Social e o Ministro das Finanças o ultraliberalismo destruidor. Esta parte do argumento é tanto mais deliciosa porque até há alguns meses, quando a série começa, o grande paladino do Estado Social era o Governo do anterior líder de esquerda, contra tudo e contra todos, sendo que nesse momento já ninguém se lembra do principal partido de esquerda como o defensor do Estado Social. Então, cumprindo à risca o plano montado, os membros do Governo de Direita que apenas pretendem manter o poder celebram um pacto secreto com o líder da oposição para se remeterem ao silêncio e não levantarem ondas, passando uma ideia de grande concórdia e responsabilidade. A ideia é de que a querela entre Presidente e Governo/idéologos da austeridade faça o seu caminho sem prejudicar a imagem daqueles que podem mais tarde vir dizer que é preciso temperar a austeridade. Ou seja, os inimigos do Ministros das Finanças e a Oposição de Esquerda em conluio.

 

Assim, quando a crise se agudiza (antepenúltimo episódio) e esta facção percebe que o discurso de austeridade do Plano A não vai resultar e se arriscam à destruição e perda do poder, põem em marcha o plano B: o Presidente, forçado e instigado, baseando-se na querela, já amplificada pelos media, arranja uma desculpa constitucional para deitar abaixo o Governo, coloca como condição a saída do terrível Ministro das Finanças e seus partidários, sobrando apenas aqueles que sempre se opuseram ao excesso de austeridade (e que nesse momento de climáx aparecem agora a dizê-lo publicamente): os membros rivais dentro do Governo e o líder da oposição, que já previamente haviam acertado um Governo de União Nacional, para trazer de novo a austeridade a limites conciliáveis com o Estado Social que sempre todos defenderam. A série acaba com o Ministro das Finanças a olhar para o cais das colunas e a apanhar um táxi para Bruxelas, enquanto o Ministro dos Assuntos Parlamentares e o ex-Líder da Oposição, agora Ministro de Estado e da Reforma Administrativa, almoçam num restaurante em Lisboa.

 

Alguém tem que pegar nisto, que isto é ficção da boa! Espero que façam uma segunda época.

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