A pólvora seca do BCE
Ouvem-se por aí alguns paralelismos entre a actuação do BCE agora e a actuação da Reserva Federal em 2008. É verdade que o balanço do BCE é hoje superior, em termos de % do PIB da zona euro ao que o balanço da Reserva Federal alguma vez foi em % do PIB dos EUA. E que o nível de apoio ao sistema bancário, entre as operações de financiamento a 3 anos e as novas regras de colaterais elegíveis para desconto junto do BCE anunciadas ontem (o modo como passaram despercebidas diz muito da iliteracia do jornalismo económico), tem sido muito mais que generoso.
Há, no entanto, uma diferença enorme. O apoio concedido pela Reserva Federal em 2008 aconteceu em simultâneo com uma política orçamental expansionista. O que, por sua vez, ao ter um impacto positivo em termos das perspectivas de crescimento da economia, permitiu que a liquidez concedida ao sistema financeiro fluísse para a economia real. Ora, o que se passa na zona euro é exactamente o contrário. Com uma política fiscal de austeridade generalizada a todos os países, a juntar-se ao processo de desalavancagem de empresas e famílias, as perspectivas económicas na Europa nem com óculos cor-de-rosa parecem positivas. O que quer dizer que o sistema financeiro, em vez de utilizar a liquidez concedida para financiar a economia, prefere depositá-la no próprio BCE, mesmo recebendo de juros 1/4 do que paga pelos empréstimos da mesma entidade.
Para a actuação do BCE ser mais do que um alívio de curto-prazo, e não apenas para o sistema financeiro, seria necessária uma coordenação efectiva entre política monetária e política fiscal na zona euro. Só que, infelizmente, no sentido contrário ao que o aplaudido "pacto fiscal" se propõe realizar.

