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jugular

reminiscência da vitória muito festejada -- até hoje e para sempre. com vossa licença e sem ela, sobretudo

Durante a campanha, era que não devia haver campanha. Que o assunto não se prestava a barulho, discussão, declarações. Era assim uma coisa para reflectir, em recolhimento e silêncio, sem indignações nem fúria nem grandiloquências.

 

Não, barulho nenhum, nem sequer quando apareceram as cartas "do embrião à mãe que o matou à facada" nas mochilas das crianças de infantário, nem sequer quando se exibiam fotos de fetos com vinte e muitas semanas apresentados como se fossem de 10, ou quando se mentia sobre os "aumentos exponenciais" dos abortos legais nos países onde se despenalizou.

 

Não podia haver indignação nem fúria quando se qualificava a última morte por aborto conhecida, a de uma adolescente de 14 anos em Santa Maria, em 2005, como "invenção" ou "suicídio com êxito". Não, não podia: mulheres indignadas e em fúria, já se sabe, soa a histeria. E nada revolta mais os estômagos sensíveis que a histeria das mulheres. Homens a gritar ainda vá, por exemplo aos guinchos no parlamento a chamar nomes a outros homens (ou a mulheres) para "defender a honra" é uma coisa até, digamos, digna. Mas mulheres a querer defender a honra, não. Mulheres enervadas até ao tutano por lhes passarem atestado de capacidade diminuta, por lhes dizerem que as mortes de mulheres não contam, que o Estado tem o direito de lhes decidir da vida, nem pensar.

 

Uma mulher enervada - por exemplo Lídia Jorge no Prós & Contras, tentando explicar o que sente uma mulher que rejeita a gravidez - foi apresentada como "excesso" comparável às ameaças de excomunhão protagonizadas pelos padres do Não ou aos folhetos terroristas dos fetos "assassinados". Uma Lídia Jorge indignada valeu por todas as obscenidades da campanha do Não. Que maravilha.

 

Mas o melhor estava para vir. Na noite do referendo, quando se soube que o Sim tinha ganhado e os aplausos, os risos e as lágrimas do "até que enfim" tomaram conta do Altis, não faltou quem torcesse o nariz. Que não era tema para aplausos, muito menos de alegria. Que tanta felicidade era desajustada, talvez até ofensiva. Que ficava mal festejar. Que não era bem uma vitória. Engraçado. Eu ia jurar que sim. E ia jurar até que, por incrível que pareça, todas e todos nós, os que ganharam, sabemos exactamente o quê e o que implica. E mais: ia jurar que estamos todos - e todas, sobretudo - muito fartos que nos digam o que é bem e o que é mal. Foi sobre isso o referendo, sabiam?

 

(caladas, quietas e viradas para a frente, dn, 16 de fevereiro de 2007)

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