Está tudo dito mas a verdade é que parece que não. Um texto do Pedro Picoito a que já aqui fiz menção e, sobretudo, a respectiva caixa de comentários fazem-me repescar textos antigos do Jugular. Eis o resultado de uma pesquisa por "interesse da criança" - é esse o fulcro da questão, não é?
Repito pela enésima vez, encontrem-me, por favor, um documento sério que sustente os terríficos malefícios da parentalidade de gays e lésbicas, facultem-me bibliografia que argumente de forma consistente sobre os perigos para a criança, mostrem-me, por exemplo, os relatos de psicopatia, os piores indicadores de saúde mental, o suicídio aumentado ou as maiores taxas de maus tratos em filhos de gays e lésbicas quando comparados com crianças que cresceram no seio da chamada "família tradicional". Para além de criticas metodológicas (algumas lícitas) ao conjunto de dados que consistentemente mostram não existirem diferenças significativas, na perspectiva do superior interesse da criança, na qualidade da parentalidade quando a variável em estudo é a orientação sexual dos progenitores, nada mais encontrei, e juro que, sem preconceitos, procurei.
Deixo, também, um curioso texto assinado por José Carlos Palha, pediatra católico, saído no Público a 17.1.20
"Nos últimos dias muito se tem falado do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da necessidade de um referendo sobre o assunto. Dizem os promotores de um abaixo-assinado pró referendo que a lei aprovada na Assembleia da República abre caminho a adopção de crianças por casais homossexuais e que isso é perigosíssimo. A Igreja Católica como seria lógico e legitimo tomou posição contra a lei mas, sabiamente, não promoveu qualquer tipo de manifestação pública de desagravo. O nosso Cardeal sempre me pareceu um homem culto e prudente e essa sageza leva-o a destrinçar o essencial do acessório. Sobre este assunto tenho como pediatra e como católico o mesmo tipo de atitude o que me faz viver com serenidade esta problemática que tanta confusão tem levantado nos espíritos mais fundamentalistas. Passo a explicar a minha posição: nos já longos anos de prática clínica como pediatra, tenho contactado ou tido conhecimento de milhares de crianças internadas em instituições que aguardam a adopção, muitas vezes anos sem fim. Sei como é impossível dar-lhes o afecto e o calor humano que uma família lhes poderia dar, por muito que a direcção e os profissionais dessas instituições se esforcem em fazê-lo. Por outro lado com o aumento progressivo de filhos de pais separados ou divorciados tenho seguido centenas de crianças que são educadas apenas por mulheres (mãe, tias, avós…) ou, com menos frequência, por homens (pai, tios, avô…) para não falar nas que têm apenas um pai ou uma mãe adoptiva. Embora todas sofram pela desagregação do casal progenitor, a maioria consegue, mesmo assim, gradualmente e com alguma facilidade, encontrar nesse meio o carinho e a afectividade suficientes para crescerem harmoniosamente. Entre o calor humano destas novas famílias e o “deserto afectivo” das instituições não pode haver comparação. Não vejo pois obstáculo a que, no futuro, casais homossexuais possam adoptar crianças desde que sejam cumpridos os critérios rigorosos até agora seguidos no nosso país para a adopção por casais heterossexuais. Como cristão penso somente no que pode e deve ser a atitude dos seguidores de Cristo, meditando nos seus ensinamentos e no seu testemunho de vida. Com certeza que Ele poria os interesses da criança acima de quaisquer outros e que veria essa nova família com o coração aberto, compreendendo, como conhecedor que era dos grandes mistérios, que tudo fazia parte da evolução da Humanidade na sua trajectória nem sempre linear; evolução visando sempre, às vezes paradoxalmente, a elevação espiritual do Homem como cume da pirâmide da criação. Convém porém não confundir um mero contrato civil entre duas pessoas, a que querem simbolicamente chamar casamento, com o matrimónio católico pois este é um sacramento para aqueles que crêem no poder e na beleza imensa do Espírito Santo." José Carlos Palha, Gaia. In Público, 17.1.2010 .
22 comentários
Luís 29.02.2012
Alguma alma caridosa para enviar este texto à Isilda Pegado? Talvez ela aprenda alguma coisa com aqueles que parecem ser verdadeiramente cristãos.
Ainda ontem ouvi na Antena 1 a Isabel Stilwell e o Eduardo Sá - que, claramente, são católicos ou muito próximo disso - a discutirem (na rúbrica Os dias do avesso) a adoção por casais homossexuais em termos muito semelhantes aos deste texto, ou seja, exibindo aceitação dessa solução.
Não sei se ele é católico, muito menos devoto, mas no outro dia fez um programa a falar sobre a Quaresma que parecia que estava na Emissora Católica Portuguesa.
O problema é que o outro lado não sabe o que os levaria a mudar de opinião. Para eles adopção por casais de pessoas do mesmo sexo é mau, PONTO. Se falar de psicopatologias, de maus tratos etc. eles vão responder "off the point: é a dimensão X que conta", em que X vai ser substituído por alguma coisa não mensurável, abstracta e quase impossível de discutir, como "o direito a ter pai e mãe" ou assim.
Sobre a adopção de crianças por casais homossexuais eu não tenho certezas, muito menos uma posição com algum fundamento na ciência (psicologia e psiquiatria).
Digamos que tenho mais dúvidas do que certezas.
Quanto ao debate público (especialmente na blogosfera), esse normalmente não nos esclarece porque não é sério, sereno, normalmente não passa de um pretexto para cada um afirmar as suas convicções ideológicas e fazer a defesa da sua tribo (não poucas vezes proferir insultos contra os restantes, ou parte deles, os que não pertencem à sua tribo).
Deixo no entanto algumas interrogações genuínas que me habitam:
1.ª – Se a educação e a vivência de uma criança no seio de um casal homossexual não é conveniente por não proporcionar os 2 referenciais parentais (masc. e fem.), por que razão há tantos homossexuais (a maioria deles) que tiveram a educação e a vivência no seio de casais heterossexuais?
2.ª – Porque razão as instituições de acolhimento, onde normalmente as crianças também não têm esses 2 referenciais, são melhores do que um casal homossexual?
3.ª – Nas famílias monoparentais (só pai ou só mãe), ou por morte de um ou por abandono, a educação e a vivência de uma criança também é muito deficiente? Ou a sociedade aceita-a como normal?
4.ª – Qual a diferença de «malefício» educativo e vivencial de uma criança no seio de uma família monoparental homossexual comparativamente com o «malefício» no seio de uma família biparental homossexual? (É que actualmente, à face da lei, as famílias monoparentais homossexuais podem adoptar crianças).
Prezada Ana Matos Pires, acho muito bem que peça essas coisas mas é um bocado exagerado andar a pedir o que nunca existiu e apenas faz parte do folclore do que dizem ser políticamente correto.
Bingo! O seu comentário é muito pertinente. Eu acrescentaria dizendo que a AMP também sabe disso, logo, coloca questões para as quais conhece as respostas.
Tenho 3 filhos. No caso da minha morte e da minha mulher, não queremos que os nossos filhos sejam adoptados por dois homens ou duas mulheres que vivem como casais. No caso da nossa morte, quereríamos o melhor para os nossos filhos e de acordo com os nossos valores (aliás, os valores, da maioria das pessoas que decidem trazer crianças ao mundo), o melhor é o mais próximo do que damos actualmente aos nossos filhos: uma mãe e um pai que tentam ser o melhor pai e a melhor mãe para eles. E há muitos casais (i.e. um homem e uma mulher) à espera de adoptar que reúnem todas as condições mais próximas das ideiais que desejamos para os nossos filhos. E os nossos direitos enquanto progenitores?
Tenho 2 filhos. Se alguma fatalidade nos acontecer, a nós pais, espero que sejam adoptados, os 2 juntos, e que sejam felizes. O meu direito enquanto progenitora começa e acaba aqui. Percebeu, ou precisa de um desenho?
Antes do resto, concordo que as crianças tenham a possibilidade de ser adoptadas por pessoas boas (homo ou hetero, solteiro ou casado será certamente acessório para a oportunidade que pode definir toda uma vida). No entanto, há algo que realmente me preocupa. Não sei até que ponto a vida destes miúdos em sociedade (numa escola pública como a que conheço) não seria um inferno por causa da mesquinhez e do sadismo. Se calhar exagero, mas parece-me suficiente para lançar cautelas no interesse real da criança.
As crianças são bastante receptivas à diferença, ora veja o que a litertura sobre o assunto refere (existem links nos diferentes textos q apontam pr isso) e, de qq modo, cá estamos nós, os adultos, para ajudar a resolver o assunto.
Esta deve ser a retórica que faz com que andar na escola (e certamente não é só na pública) seja um inferno para muitas crianças. "As crianças são bastante receptivas à diferença" Os adolescentes podem ser cruéis. Todos (se calhar menos a Anocas) nos lembramos de situações de verdadeira tortura na escola pelos nossos pares, se não connosco, com o colega gordinho, ou que usava óculos ou por qualquer outra diferença... Para não falar no "cá estamos nós, os adultos, para ajudar a resolver o assunto" Na maior parte a pressão dos pares leva ao come e cala até não se aguentar mais, e depois nem sequer há provas, ou ninguém deu por nada...
Seja como for, ter alguém que cuide das crianças num ambiente familiar será sempre melhor do que as deixar perdidas pelas instituições. E que tal tornar legal a adopção para casais homosexuais a partir de uma idade em que o adoptante possa ter uma palavra no assunto? tipo aos 15 anos...
pois pode, os adolescentes, as crianças e o adultos, é a realidade do mundo em que vivemos, mas tb os há excelentes e fantásticos, tb me lembro bem destes e de como, felizmente, eram (e são) a maioria. A minha experiência não é nada coincidente com o come e cala ser a maioritário e qdo acontece é mtas vezes "descoberto" pelos adultos. Claro que há os casos extremos, felizmente minoritários, mas nunca conseguiremos proteger os nossos filhos de tudo.
Essa ideia de limitar a possibilidade de adopção dos casais homossexuais a adolescentes para lá dos 15 anos é engraçada, bora só permitir que se tenham filhos já com 15 anos feitos.
E já se questionou se a vida das crianças entregues a instituições não é um inferno por causa da mesquinhez e do sadismo dos colegas de escola? É que eu acho que é.
E não estou a querer dizer, nem de longe, que a adopção por casais homossexuais levaria ao fim das crianças em instituições.