o folhetim de escutas do cm, o silêncio tenebroso do supremo e da procuradoria e outras histórias da 25ª hora
primeira nota: como se esperava, a adopção por casais homossexuais foi chumbada do parlamento. não foi novidade – aliás, recordo que todas as mudanças legislativas relacionadas com a discriminação dos homossexuais foram sempre submetidas a 2 votações: na primeira chumbam e na segunda passam. foi assim com a lei das uniões de facto e com o casamento, e não tenho dúvidas de que assim será com a adopção, porque é inelutável que se legalize a adopção por casais do mesmo sexo: é que é um bocado estulto haver a possibilidade de um homossexual poder adoptar e não se permitir que um casal de homossexuais o possa fazer. E, ao contrário do que se tem insistentemente dito, trata-se de uma questão de direitos das crianças, o que aliás explica que haja muito mais países no mundo que têm adopção por casais do mesmo sexo que casamento entre pessoas do mesmo sexo.
aliás, se dúvidas houvesse quanto à inelutabilidade desta alteração legislativa, bastaria ver a votação: só houve um partido na assembleia que votou contra em peso, o pcp. No psd, 9 deputados, incluindo vices da bancada, votaram a favor (e dois abstiveram-se), e no ps a maioria disse sim: só 12 votaram não. Até no pp houve um voto favorável, de Adolfo Mesquita Nunes, cuja coragem se saúda. Pode-se pois afirmar que as notícias da morte da adopção por casais do mesmo sexo foram muito exageradas.
segunda nota: a subida de tom no conflito entre o pr e o governo. numa semana, houve 2 episódios. o primeiro tem a ver com a chapelada que passos coelho deu a cavaco quando, após o presidente ter cancelado à última hora uma visita a uma escola secundária onde havia uma manifestação, foi falar com manifestantes que o apupavam. o segundo ocorre quando o pr critica a austeridade e passos, confrontado pelos jornalistas com as declarações do presidente, diz que não vai entrar num pinguepongue com ele. quando um primeiro-minisro diz que não vai entrar num pinguepongue com o presidente, está obviamente no pinguepongue – e a dizer ao presidente que meta a viola no saco.
e, por fim: chegada a portugal após uma semana de férias, deparei com um folhetim surgido desde sábado numa publicação que tenho pudor em apelidar de jornal e que dá pelo nome de correio da manhã. consta o folhetim da publicação de escutas em fascículos de duas páginas, escutas essas entre o reitor da falecida universidade independente e o anterior pm. não vou deter-me no conteúdo das escutas, de resto irrelevante de todos os pontos de vista, nem nas motivações da publicação, sobre as quais creio que ninguém poderá ter dúvidas. mas tenho, como jornalista e cidadã, duas questões para colocar, nenhuma delas esclarecida até ao momento. a primeira é a de saber a que processo respeitam as escutas em causa, e qual a suspeita que as originou. creio que se podemos ler conversas gravadas, alegadamente pela polícia, entre duas pessoas que não são acusadas de nenhum crime, também devemos poder ler o despacho do juiz que as permitiu, e conhecer os seus pressupostos.
a segunda questão, que é ainda mais relevante, e que coloca um problema institucional da maior gravidade, é que ficámos a saber que afinal, ao contrário do que sabemos ser a interpretação da lei feita pelo presidente do supremo tribunal de justiça e pelo procurador geral da república, um primeiro ministro em funções – e portanto também um presidente da república e um presidente da assembleia da república – podem ser escutados alegremente e as transcrições das respectivas escutas publicadas por aí sem que nada suceda.
recordo que no processo face oculta existiam escutas entre armando vara e o mesmo primeiro-ministro e que estas foram consideradas não válidas, ou seja, completamente ilegais, pelo presidente do supremo por não lhe terem sido enviadas para validação. o debate judicial sobre essas escutas e a sua admissibilidade aliás continua no julgamento que decorre no âmbito do processo em causa, como é sabido. e no meio de tudo isto, de repente, surgem outras escutas, efectuadas antes (em 2007), que das duas uma: ou foram validadas pelo supremo, e não se percebe como poderiam ser dada a sua irrelevância, ou não foram, e portanto são ilegais.
pergunto: o supremo tribunal sabia destas escutas? o procurador geral da república tinha delas conhecimento? se tinham, que decidiram sobre elas? se não tinham, como é possível que não tivessem? e ainda: por que é que sobre isto, que se passa numa publicação com larguíssima tiragem, não se ouviu ainda uma palavra destas duas instituições?
alguém imagina uma coisa destas a suceder em frança, em espanha, nos eua, no reino unido sem chover um tsunami de perguntas sobre o assunto? eu não. aliás, neste momento no reino unido corre um escândalo relacionado com escutas ilegais e corrupção d membros do sistema judiciário por parte de uma corporação mediática. aqui, é isto.
(notas tomadas para o comentário de terça à meia noite na 25ª hora da tvi)
sobre o mesmo assunto, ler estrela serrano.