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coisas que não mudam

Nunca percebi certos ditos. Como "em política não há amigos" ou "não há memória", ou "não há traições". Sendo a política uma atividade humana entre tantas outras, se delas se deve distinguir, acho, é pela nobreza e não, pelo contrário, funcionar como terra de ninguém sem leis nem regras mínimas de decoro, honra e verdade. Sei, porém, que como em todas as áreas em que as apostas são altas e os confrontos aguerridos, o oportunismo e as alianças de circunstância campeiam. E aquela máxima "o inimigo do meu inimigo meu amigo é" será muito praticada, como afinal na vida de tanta gente.

 

Vem isto a propósito do conflito, em escâncara escalada, entre o presidente e o Governo, na pessoa do primeiro-ministro. Sabíamos todos há muito que Passos e Cavaco não morrem de amores um pelo outro. Mas todos assistimos à aliança tácita que fizeram para o derrube do Governo Sócrates e à forma como o PR, inimigo tão figadal da austeridade imposta pelos socialistas a ponto de apelar a "um sobressalto cívico" e de rasurar nas suas análises a crise internacional e europeia, alterou o seu discurso no pós-eleições ante o acometimento de fúria austeritária do Governo Passos. Até que, precisamente, resolveu recuperar as suas preocupações de antanho e começar a afrontar as opções do Governo, linha que inaugurou com as críticas ao orçamento de 2012 antes de este ser sequer discutido.

 

Com episódios pícaros como o da fuga do PR ante a manifestação numa escola secundária versus o arrojo de Passos, na mesma semana, face a gente que o apupava, ou a reação cortante do PM às críticas do PR à "excessiva austeridade" - "Não vou entrar num ping-pong público com o Presidente", como quem diz, e bem, "o que eu e o PR temos a dizer um ao outro não deve ser espetáculo mediático" -, esse confronto teve na entrevista que Cavaco deu à TSF no aniversário da rádio um momento alto, quando o Presidente afirmou que existe "cobardia dos líderes europeus face às agências de rating".

 

Todos, presumo, nos recordamos do que Cavaco dizia antes da queda do Governo PS sobre as agências de rating: não deviam ser afrontadas e era "um erro culpar os mercados". Claro: a culpa tinha de ser todinha do Governo em funções porque era isso que convinha a Cavaco, mesmo se em nada convinha ao País. Agora, de repente, as agências são más da fita e Passos cobardolas (por acaso, logo a seguir ao episódio das "manifs"). Estas cambalhotas devem-se a quê? Partindo do princípio de que o PR está no domínio das suas capacidades, só podem ser fruto do mais desbragado oportunismo, o de alguém que só pensa em si e no modo, num momento em que caiu como nenhum PR da história nas sondagens, de se posicionar da forma que lhe parece mais favorável. Que perante isto o PS se perfile, a várias vozes, como seu aliado-mor, defendendo "a dignidade do Presidente", é um pouco de mais para estômagos sensíveis. Mas, lá está: o mundo muda muito. E não.

 

(publicado hoje no dn)

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