tantas saudades
as eleições de 5 de junho criaram uma legião de órfãos.
o mais notório é o correio da manha, que dia a pós dia mói as fracas cabeças que o fabricam em busca de mais uma manchete com o nome do ex-primeiro ministro, naquilo que é já uma piada nacional.
logo a seguir, psd e pp, sempre prontos a invocar o nome do santinho da sua devoção a propósito de tudo e de nada: é culpa dele, é culpa dele, é culpa dele, em estribilho interminável mas cada vez mais sumido, porque, coitados, têm apesar de tudo noção de que o tempo disso vai acabando e têm doravante que assumir as consequências do que fazem, dando-se o caso de não fazerem a mínima sobre o que fazer.
seguem-se pcp e be, forçados agora a defrontar-se com a direita que ajudaram a pôr no poder e a, no processo, terem de defender (horror) aquilo que antes vilipendiavam -- a obra dos governos ps -- numa das cambalhotas mais tristemente cómicas da história portuguesa recente.
mas agora, para a primeira fila do cais, derrubando no afã o seu leal correio, precipitou-se cavaco, olhos em alvo no horizonte, prece fervorosa nos lábios trementes:
volta, volta, sócrates. contigo era tudo tão mais fácil. eu fazia-te trinta por uma linha e tu nada. eu inventava que me escutavas na véspera das legislativas a que concorria contra ti a minha comadre manela e tu mordias os lábios e dizias umas coisas fraquinhas sobre lealdade institucional; eu gritava do púlpito que tudo era tua culpa, eu falseava estatísticas e números, eu fazia de conta que não havia crise do euro nem crash internacional, eu apelava à rua e à revolução, e tu, em vez de partires três cadeiras e uma delas na minha fuça e demitires-te no momento, dizias: 'ah, o sr presidente foi um bocadinho injusto' e lá ias à tua vida, armado em estadista.
agora, este que lá está não perde uma oportunidade de me dar uma bordoada no meio dos olhos. eu fujo da antónio arroio e ele, para me humilhar, vai na primeira ocasião tourear manifestantes; eu mando bocas sobre a austeridade e ele diz que não está para pinguepongues comigo -- imagina, a mandar-me calar, a pôr-me no sítio.
com este não me governo, ó sócrates. de modo que tive esta ideia tão fofinha, de escrever uma coisa a desafiar-te, a ver se te enervo o suficiente para reentrares na liça de modo a que toda a gente se concentre de novo em ti e eu faça daquilo que mais gosto, de vítima (porque tu quando te dá para seres bruto também és de força) e que o psd e o pp sejam obrigados a vir a terreiro defender-me e tudo volte a ser como eu sonhei. claro que no meio disto tudo me esqueci de pensar no seguro, coitado, que tem sido tão meu amigo e que a última coisa que queria era que o forçassem a ter de dizer alguma coisa que o comprometa, mas a minha cabeça já não dá para tudo e com as sondagens como estão (para não falar das despesas) tenho de pensar antes de mais em mim -- coisa que, como é sabido, nunca me tinha ocorrido, nem a mim nem à minha maria.
vá lá, socratezinho. vá. vem lá. não aguento mais não saber de ti, não poder fazer-te maldades, não passar os dias com os meus limas a congeminar golpadas contra ti. com o passos não me sabe ao mesmo, sabes?

