BCE é parte do problema, não parte da solução
BILD: Is the crisis over?
Draghi: The worst is over, but there are also still risks. The situation is stabilising. The key data for the euro area, such as inflation, the balances of payments and in particular budget deficits, are better than in the United States, for example. Investors are regaining their trust and the ECB has not had to provide support by buying government bonds for several weeks now. It is now up to the governments. They must make the euro area crisis-proof in a sustainable manner.
Esta resposta é todo um (mau) programa. Draghi começa por reinterpretar a história e diz que a confiança está a voltar sem que o BCE tenha comprado dívida pública, quando o que realmente aconteceu foi que a 'confiança' voltou porque o BCE, desde dezembro de 2011, criou as condições para que a confiança voltasse. É verdade que o BCE não comprou nada, e nisso Draghi tem razão. O que aconteceu foi que o BCE delegou nos bancos a responsabilidade de comprar dívida pública, entregando-lhes, desde dezembro, cerca de 1 trilião de euros para que o pudessem fazer com confiança. A confiança é consequência, não uma causa, e foi inteiramente fabricada pela política do BCE - não, como diz Draghi, Rompuy, Gaspar e companhia um fenómeno explicável pela austeridade, pelo six pack, pelo Pacto Orçamental ou quaisquer outras 'soluções' que a zona euro tem encontrado para resolver a crise actual.
O problema, como explica Paul De Grauwe em How not to be a lender of last resort é que o BCE está recorrer a instrumentos pouco eficazes, está a criar a confiança errada e, no limite, não está a resolver nada. O BCE está, isso sim, a ganhar tempo. Está a prolongar a ilusão de que o chamado six pack e o pacto orçamental são a resposta adequada para a crise actual e que são necessários para reconquistar a confiança.
Para De Grauwe o problema está na escolha do BCE em não intervir directamente na fonte do problema - no mercado de dívida soberana -, o que torna a intervenção extremamente ineficiente: os bancos canalizam apenas uma parte da liquidez cedida pelo BCE para a compra de dívida pública. Quando comparada com a intervenção directa (isto é, a compra de dívida pelo próprio BCE, ou, para não violar a letra dos tratados, a compra de dívida pelo FEEF financiada pelo BCE), a intervenção indirecta requer muito mais liquidez para obter os mesmos resultados.
O LTRO é um subsídio, uma renda que é dada aos bancos sem quaisquer contrapartidas. É uma espécie de ajuda externa sem memorando da Troika: recebe-se o dinheiro e mais nada.
Draghi acha que o BCE já fez o que lhe compete: assegurar, pelo menos no curto prazo, que o sistema financeiro não implode. E os Estados não se podem queixar, porque os spreads até têm estado a baixar. Aliás, não só não se podem queixar, como têm a obrigação de pagar pelo benefício indirecto que obtém da ajuda que o BCE deu ao sector financeiro. O moral hazard, aparentemente, é um conceito que só se aplica aos Estados, não ao sector financeiro.
Para além da estabilização do sector financeiro, que parece ser um fim em si mesmo, Draghi só se preocup em garantir que a inflação fica abaixo dos 2% e que os défices públicos (irresponsabilidade orçamental) e os défices externos (falta de competitividade) sejam eliminados. Custe o que custar. Só isso explica que, perante o agravar da recessão e a situação cada vez mais dramática do desemprego, Draghi insista em dizer que, embora ainda seja prematuro decretar o fim da crise, a situação está a estabilizar e que cabe aos governos fazer o resto (leia-se pôr em prática políticas que agravam a recessão e o desemprego).
Draghi é um dos mais empenhados na defesa do pacto orçamental e do six pack porque estas políticas são o corolário lógico da actual arquitectura institucional da zona euro, a única que o BCE parece disposto a aceitar. Isto tem uma explicação: ao invés de apresentar o BCE como parte do problema, o que apontar para a necessidade de uma profunda reforma institucional, responsabilizam-se os estados - que não controlaram o défice e a dívida e que não fizeram as reformas estruturais - pela crise na zona euro. O BCE é, juntamente com Merkel, embora por razões diferentes, um dos principais responsáveis pela manutenção da tese de que nunca existiu uma crise do euro, apenas uma crise de alguns países do euro.
O BCE não está a contribuir para a resolução dos problemas da zona euro. Isto é evidente na seguinte passagem da entrevista ao Bild:
BILD: In two moves, the ECB has put almost €1 trillion into circulation. That’s inflationary, surely?
Draghi: The banks to which the ECB has lent the money have, by and large, not fed this into the economic cycle but have used it to meet old liabilities. So the money in terms of inflation has, so to speak, been neutralised. This action is not inflationary. And we will watch very carefully if and how the money is fed into the economic cycle.
O que Draghi está a dizer aos alemães é: não se preocupem, as políticas do BCE não têm como objectivo dinamizar a procura agregada (estimular a concessão de crédito e dinamizar a economia), apenas garantir que o actual processo de desalavancagem não destrói o sector financeiro. O BCE age, portanto, como uma espécie de alemão esclarecido. É o BCE, através de políticas que os alemães não aceitam, que torna a solução alemã (aparentemente) sustentável. O BCE é parte do problema, nunca parte da solução.

