miguel, 1958-2012
não me lembro bem como nem quando conheci o miguel. se foi por causa do já, o semanário que ele dirigiu e no qual colaborei, ou se foi por causa do primeiro referendo do aborto, em que fiquei irritada com ele por achar que tinha tratado o assunto com a displicência de quem não duvidava da vitória -- e perdemos.
nunca fomos amigos, nem sequer próximos; não tenho memórias íntimas para revelar e partilhar, e decerto muito nos separava em termos de opinião e até de prática. mas contava com o miguel. contava com a existência dele, com o que tinha para dizer, com aquele sorriso tranquilo que ultimamente era a sua marca, como se toda a crispação o tivesse abandonado. contava com a meiguice surpreendente com que o vi acolher opiniões diversas -- as minhas, por exemplo -- as últimas vezes que nos encontrámos.
a derradeira vez que ouvi o miguel falar, há pouco tempo, tão pouco tempo, pensei: era mesmo isto.
foi sobre a parque escolar. falou das grandes escolas construídas no princípio do século XX, dos liceus monumentais, da universidade de lisboa. como podia ter falado da de coimbra. disse: 'aquilo eram palácios, face à forma como as pessoas à época viviam. porque é que as escolas para todos não hão-de ser assim?'. cito de memória. e para memória. de vez em quando, contava com o miguel para dizer exactamente o que devia ser dito. não é pouco, e agora já não há.