donos da verdade
vi ontem parte do 'donos de portugal'. achei tudo muito mau. desde a montagem à sonorização, passando pela narrativa comprimida, atafulhada, para terminar no pior, o tom panfletário e desajustado.
tenho pena: muito do que o documentário visa denunciar merece denúncia e assisti a alguns momentos de tv que, devidamente contextualizados e respirando como deve respirar algo de importante num documentário, seriam devastadores -- e recordo as declarações de miguel cadilhe, então secretário de estado das finanças, a dizer que ordenara uma investigação, então em curso, porque lhe cheirara que havia alguma coisa de errada, mas que estava certo que se ia concluir que estava tudo bem.
mas passar uma hora, ou lá quanto tempo aquilo teve, a falar dos ricos e dos enriquecidos como se ter dinheiro ou fazer dinheiro fosse só por si um crime, falar de governantes como se fossem todos corruptos ou pelo menos venais -- dizer que se investigaram os curriculos de dezenas de ex governantes para concluir que grande parte deles foram trabalhar em empresas a seguir quer dizer exactamente o quê? que depois de passar por um governo uma pessoa tem de ir arrumar carros ou viver dos rendimentos? ou, talvez, melhor ainda, mandar-se da ponte? -- é um fraco serviço feito em nome da transparência e da democracia (se é em nome da democracia que uma coisa destas se faz). e mais extraordinário ainda quando o autor é um deputado.
não faz um inside job quem quer, só quem sabe. a denúncia exige demonstração. pode ser indignada, pode trazer em si a fúria dos justos, pode até ser comentada aqui e ali. mas deve calmamente mostrar, provar, documentar. misturar alhos com bogalhos, evidências de favorecimentos escandalosos do estado e relação a grupos privados e ligações suspeitas com revelações como 'os angolanos estão a comprar portugal' (era mais ou menos isso, não era?) mostrando encontros de josé eduardo dos santos com pm portugueses é o quê?
ao fim 10 minutos do donos de portugal, perguntei-me se estava a ver um documentário na tv pública ou um tempo de antena do bloco de esquerda. fiz eco da pergunta no twitter. houve quem me respondesse que temos muitos tempos de antena diariamente, este era só de sinal contrário. é certo. mas, precisamente, a meu ver a forma certa de combater o planfetarismo as mais das vezes inconsciente, e sobretudo inepto e ignaro, do jornalismo português corrente não é mais planfetarismo. é informação. dá trabalho, claro, mas nem sequer me parece que o problema do donos de portugal seja falta de trabalho -- vi ali a evidência de muito, o que torna isto ainda mais deprimente; exige uma linguagem e uma atitude que dialoga com o espectador/leitor, que o respeita sem partir do princípio de que ele está 'ganho' para a tese ou que se não está é o inimigo.
o donos de portugal é feito na perspectiva de quem acha que o capitalismo é o diabo, que todos os capitalistas são, por o serem, desprezíveis, perigosos e frequentemente criminosos, e que os governos estão sempre feitos com eles -- comprados, para ser desagradavelmente precisa. é uma perspectiva. até pode ser a correcta, mas não resulta provada do que fica exposto. aliás, pelo contrário: resulta ridícula e forçada.
é pena, jorge (costa). e lembrou-me uma conversa que tivemos há muito, muito tempo. dommage, não serviu de nada, como esta decerto não servirá.