Eu e os meus botões
Declaração de interesses: quanto mais conheço outros sistemas eleitorais mais gosto do português. Não estará feito para potenciar maiorias estáveis nem para "responsabilizar" individualmente cada deputado eleito, é certo, mas permite uma muito maior pluralidade de representação, e esta fica muito próxima da verdade dos números (a distorção que existe seria facilmente anulável com um círculo único mas isso, por outro lado, afastaria ainda mais os representantes dos representados). Adiante... habituada como estou ao sistema português reajo sempre com alguma estranheza quando, ao observar eleições de outros países, constato uma enorme diferença entre a percentagem de votos nas urnas e a constituição do parlamento que resulta das eleições.
O caso grego ilustra na perfeição essa minha estranheza. Os 50 lugares de bónus para o partido mais votado são-me, num primeiro momento, completamente incompreensíveis e fazem-me arregalar os olhos. Ontem os olhos ainda se abriram mais quando li, num twitter de um jornalista grego (via bossito), que esse bónus só seria atribuível a partidos, não a coligações * e que, caso fosse uma coligação a ganhar umas eventuais próximas eleições, os tais 50 lugares passariam para o partido mais votado que se seguisse. Isto é, naturalmente, um fator a ter em conta quando nos pomos a especular sobre o futuro imediato da Grécia porque o Syriza, que anda na boca do mundo, é uma coligação. Por muito bizarro que ache isto - e acho-o - percebo a lógica. Um partido é uma "entidade" mais monolítica que uma coligação, há muito menos hipóteses de se estilhaçar durante uma legislatura, portanto se na lei eleitoral se pretendeu potenciar maiorias e estabilidade a esquisitice é racional.
A conversa que tenho tido com os meus botões não é, contudo, especificamente sobre a Grécia e esta bizarria mas sobre as reações que tenho visto a isto. A indignação tem sido uma constante (e, de novo, percebo-a perfeitamente) mas ... e é aqui que a porca torce o rabo, não a vi em 2007 quando a FN não elegeu um único deputado apesar de ter tido mais de 10% dos votos. Aliás, no próximo mês de Junho pode dar-se o caso de com 18% ou mais acontecer o mesmo, basta que se mantenha aquilo que tem sido prática, a saber o "cordão sanitário" (mais politicamente conhecido como "aliança republicana") que tem levado os eleitores de todos os outros partidos a votarem em bloco no candidato que defrontará hipotéticos candidatos FN que passem à segunda volta. A dualidade das nossas reações (e incluo-me neste nossas) dá que pensar...
* Aparentemente, e ao contrário do que o jornalista grego dizia ontem no twitter, os 50 lugares podem ser atribuidos a coligações, fruto de uma alteração da lei em 2008 (até 2008 os, na altura, 40 lugares eram só atribuíveis a partidos). Como? Divide-se o resultado da coligação pelo número de partidos que a compõem, os 50 lugares são-lhe atribuídos caso o valor que resulte desta divisao seja superior ao do partido votado em segundo lugar (gracias pelo link, Joana). Na prática não há coligação que alguma vez vá conseguir ser bonificada. Algo me diz que ainda vamos ouvir falar muito disto.
P.S. - Quem quiser basta informação (e discussão) sobre o sistema eleitoral grego tem aqui um bom ponto de partida