«O cenário “pretzel”» por Vasco Barreto
Com a rentrée retomo o hábito, que mantinha antes das férias, da republicação no 5 dias das crónicas do Vasco Barreto, no Metro às segundas O cenário “pretzel” Na passada sexta-feira, não estava confirmado se o entretanto desaparecido Kim Jong II, líder da Coreia do Norte, teve um acidente vascular cerebral. Lembramo-nos do mesmo secretismo aquando de uma doença de Fidel Castro. El comandante esteve dias escondido e reapareceria trajando sempre o mesmo fato de treino Adidas, talvez para que a data oficial das suas imagens pudesse então mudar de dia ao sabor das conveniências. Enquanto não se resolve a expectativa de saber se a Nike aproveitará o estado de saúde de Kim Jong II para orquestrar uma resposta, destes acidentes extraímos um princípio: o grau de totalitarismo de um país mede-se pelo nível de secretismo que envolve a saúde dos seus líderes. A queda de Salazar da cadeira seria também abafada durante uns tempos, embora depois com uma variação: a elite deixou de iludir o povo e passou a iludir o próprio Salazar, que viveria os seus últimos tempos convencido de que ainda mandava. Assentes na concentração de poder e no culto da personalidade, as ditaduras têm um problema estrutural com a transmissão do poder. A mais convincente contraprova desta lei do secretismo que conheço é o episódio em que Bush se engasga com um pretzel (biscoito de origem alemã popular nos EUA) enquanto via um jogo de futebol americano, cai do sofá e perde a consciência. A cobertura foi tal, que ele diria depois: “... acordei, e era como se passasse já no televisor, em nota de rodapé: ’Presidente Bush engasga-se com um pretzel'”. Por muito pouco o maquiavélico vice-presidente Dick Cheney não assumiu as rédeas do poder, embora paire a suspeita de que já o fazia. Ora, é sobre a vice-presidência que os holofotes da campanha para a presidência dos EUA agora apontam
, depois da previsível escolha de Obama (o experiente senador Biden) e da desconcertante escolha de McCain (a governadora do Alaska Sarah Palin). O vice-presidente americano é sobretudo um pneu sobresselente para usar em caso de furo (morte, resignação ou destituição do Commander in Chief), embora também seja presidente do senado. Em teoria, deveria ser escolhido tendo em conta a possibilidade de vir a governar, ou seja, deveria ser uma cópia do próprio candidato a presidente. Na prática, é escolhido para o complementar. Esta opção, vendida como tendo por objectivo o fortalecimento da equipa governativa, na verdade não passa de uma estratégia de alargamento do espectro de votantes. Como estratégia eleitoral, a sua escolha foi brilhante e corajosa, começando a dar frutos. Ela aguentou bem a pressão, trouxe garra, é mulher, agrada aos republicanos mais conservadores que julgam McCain demasiado progressista e mundano, e funciona já como o boneco que diz as bojardas úteis proibidas ao ventríloquo, como ameaçar a Rússia com uma guerra em caso de nova invasão da Geórgia. Como vice-presidente, Palin seria uma bomba-relógio para um retrocesso. É pouco simpático lembrar a idade de McCain e a sua história clínica, mas a chegada ao poder de uma criacionista inexperiente que vê a guerra do Iraque como uma cruzada religiosa pode ficar a menos de um pretzel de distância. O eleitoralismo criou um problema com a transmissão de poder na melhor democracia do mundo.

