tabu!
Nada como uma dose de perspicácia jornalística para nos fazer ver a verdade. Fiquei a saber, há minutos, porque é que as ameaças de Miguel Relvas à jornalista do Público são graves. Pensei eu que seria por se tratar de uma inaceitável chantagem, prefigurando crime de devassa da vida privada, nos termos do Código Penal (art. 186º): "Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada da pessoa, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual (...) divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias." Mas afinal, a sempre sábia e sensata RTP acaba de me mostrar que não. Que há explicações bem mais profundas e válidas. No "Sexta às Nove", rubrica "condado portucalense", fui informado de que Relvas, no essencial, cometeu o erro de violar uma tradição portuguesa. E qual é? A da total distinção entre a vida pública e a privada... e cuja linha separadora, intransponível, se chama, pasme-se, "tabu". Fazendo de conta que não percebi e sem querer adiantar-me sobre as lacunas (para não dizer vazio) dos autores de semelhante disparate no campo da antropologia, da sociologia ou da elementar semântica, entendi que a tal quebra da alegada tradição tem como ónus, castigo e pena o revés político: toca de ir buscar o exemplo de Mário Soares e das suas referências à vida pessoal de Sá Carneiro, no final da década de 70, e da vitória da AD, assim como os dislates de Louçã no frente a frente com Portas e as patacoadas de Santana Lopes sobre os "colos" de Sócrates. Tudo episódios (e raros) de violação do tal "tabu". Nem importa distinguir o combate político entre adversários de uma ameaça de um ministro a uma jornalista, isso são pormenores. Basta a invocação do tabu. Portanto, Relvas, se fosse sensato, estaria a par desta peculiar lusa tradição e nunca a desrespeitaria. Para que precisamos nós, afinal, do Direito? Genial.

