vinte anos de conversação política
Regressemos só por mais uns instantes ao tema. Na sequência deste post, chamaram-me a atenção para o facto de poder estar a questionar o actual momento de forma de João Carlos Espada, quando digo que as últimas crónicas de Henrique Raposo estão ao nível do «melhor João Carlos Espada». Não era minha intenção diminuir Espada, mas antes relevar o contributo de Raposo para este género de crónica. Em certo sentido, como procurei explicar, os universos de Raposo e Espada são complementares. Se em Raposo vemos a influência neo-realista e o elogio ético do subúrbio, em Espada temos o genuíno deslumbramento da média burguesia lisboeta com o cricket e os jantares na “high table” de Oxford. Se em Raposo pontificam Ibrahim e Candeias, em Espada têm lugar cativo Karl Popper e Sir Winston Churchill. Espada tem, de resto, um grande cuidado na forma como descreve as suas personagens e como narra os ambientes que as envolvem. Há ali um respeito institucional que já só se encontrará na forma como a revista Hola retrata a família real espanhola.
Aliás, se dúvidas houvesse quanto à boa forma de Espada, bastaria ler o texto da passada segunda-feira no Público, sugestivamente intitulado «vinte anos de conversação política», e que, no essencial, não difere em nada das «conversações políticas» que o próprio nos proporciona semanalmente há vinte anos. Nessa crónica, Popper e Churchill juntam-se a Maria de Jesus Barroso - «prémio Fé e Liberdade 2012» - e a Celia Sandys, uma senhora que veio aos Encontros de Estudos Políticos de Espada - «agora também denominados Estoril Political Forum» - falar sobre Churchill. Sandys nunca terá escrito nada de particularmente interessante sobre Churchill, mas em relação a um Max Hastings tem, para Espada, a enorme vantagem de ser neta do estadista. Aparentemente, os Encontros de Estudos Políticos, «agora também denominados Estoril Political Forum», já vão na sua 20ª edição. «Começaram com 30 pessoas e este ano já contam com 300, algumas vindas do estrangeiro». Como analisar, à luz da teoria disponível, tão intrigante fenómeno? Da mesma forma que Espada analisa todos os fenómenos políticos e sociais: «Uma razão é óbvia: [os Encontros] não são resultado de um plano centralmente desenhado». Lamentavelmente, Passos Coelho ficou impedido de participar nos Encontros deste ano, por «coincidirem com a moção de censura debatida no Parlamento». Parece que quem não faltou foi o «líder da oposição democrática, António José Seguro». Espada nomeia o líder da «oposição democrática», não fossemos nós pensar que se estava a referir a Humberto Delgado. É que Seguro, ao contrário da oposição antidemocrática, não inventa moções de censura para prejudicar as «conversações a várias vozes» anualmente organizadas por João Carlos Espada. Claro que um evento desta dimensão nunca seria possível sem a generosidade de várias instituições. Espada é reconhecido e partilha esse reconhecimento com os leitores do Público: «é legítimo destacar a Jerónimo Martins/Biedronka, o BPI, e a Câmara de Cascais, sob a presidência de Carlos Carreiras». Felizmente para os leitores e patrocinadores de João Carlos Espada, Carlos Magno, presidente da ERC, ainda não percebeu se a entidade que dirige serve para alguma coisa.