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nojo permanente

Ao contrário de tanta gente que no passado recente acendeu tochas à menção da palavra "assessor" e agora ou está calada ou até, imagine-se, integra a assessoria de um ministério, acho que se trata de um trabalho como outro qualquer. E não alinho no culto de uma pretensa "pureza" dos jornalistas. Mas enquanto o jornalismo for, pelo menos formalmente, uma profissão com regras, convém que as regras façam sentido e sejam, pelo menos no mínimo, respeitadas.

 

Já aqui exprimi a minha estupefação com o facto de o Estatuto de Jornalista permitir a manutenção de carteira profissional a alguém que redige propaganda para uma publicação partidária. Um redator do Avante! ou do Ação Socialista não se distingue em nada (se distinção há é para pior) de um assessor de imprensa; no entanto, o Estatuto permite ao primeiro manter a carteira e ao segundo exige que a "entregue". Não faz sentido. Num e noutro caso estamos perante atividades em que se "vende" uma versão conveniente, não raro falsa, sem qualquer cuidado pela verificação factual e pela diversificação de fontes: a negação do jornalismo, portanto.

 

Esta injustiça relativa praticada pela lei com os assessores é compensada, porém, com o facto de a entrega da carteira profissional ser reversível. Ou seja: um jornalista pode durante uns tempos ser funcionário político e depois, quando lhe aprouver (ou quando o governo muda) regressar - de imediato - às redações. Num país em que se tende a exigir períodos de nojo cada vez mais alargados a ex-governantes, fazendo escândalo se algum surge, mesmo 10 anos depois, numa empresa remotamente ligada à área que tutelava (e mesmo quando não há ligação), o silêncio sobre a transumância entre redações e gabinetes ministeriais não pode deixar de ser encarado como um tabu corporativo e uma debilidade dos media.

 

Se há quem não se choque com a ideia da revelação forçada das relações privadas de jornalistas e considere mesmo que a existência de uma mera relação pessoal com um político os coloca sob suspeita insanável, como perceber que ninguém pareça preocupar-se com a identificação de autores de notícias como ex-assessores de imprensa ou adjuntos deste ou daquele ministro? Não terá o público "o direito de saber" que uma dada peça noticiosa foi assinada por quem ainda há uns meses estava na dependência hierárquica de um desses grandes malandros, os políticos?

 

A questão talvez se coloque ainda com mais acuidade ao contrário. De cada vez que um jornalista é nomeado por um governo, não deveremos olhar para toda a sua produção anterior à luz desse facto? E se o cargo em causa não tiver a mais remota relação com as suas competências curriculares, não é nosso dever, para além de confrontar um governo que garantiu a "total transparência" e "o fim dos boys", certificar que, doravante, se há pessoas com especial vocação para o spin partidário, este seja concretizado em panfletos ou gabinetes de comunicação e não em pretensas notícias?

 

(publicado hoje no dn)

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