Congresso democrático das alternativas
Aderi à Convocatória do Congresso das Alternativas porque entendo que o divórcio entre as esquerdas portuguesas é uma tragédia para o projecto político em que acredito.
O afastamento entre as esquerdas portuguesas tem razões históricas por demais conhecidas. Eu sou daqueles que acha que tal se deve sobretudo ao sectarismo de uma esquerda que se auto-proclama verdadeira e que, irresponsavelmente, transformou o PS no seu principal adversário. Mas também reconheço que o PS tem culpas, sobretudo no modo leviano como encarou a moeda única. Neste ponto, o PS acompanhou toda a social-democracia europeia, que não percebeu, ou não quis perceber, o impacto que a actual arquitectura monetária do euro teria na viabilidade futura do seu projecto político. O que o contexto actual demonstra é que, em caso de crise, o Estado Social e o Trabalho são as únicas variáveis de ajustamento na actual configuração institucional do euro. Se nada for feito para alterar esta situação, a moeda única revelar-se-à, a prazo, absolutamente incompatível com qualquer projecto político que se diga de esquerda.
Mas este Congresso não é sobre o passado; é sobre o futuro. Ou melhor: é a tentativa de perceber se, no contexto actual, e independentemente da história da esquerda portuguesa, é ou não possível imaginar algum tipo de aproximação entre posições e discursos tradicionalmente irreconciliáveis. Neste sentido, este Congresso deve ser entendido como uma oportunidade. A manutenção do divórcio entre as esquerdas põe em causa a governabilidade à esquerda, o que beneficia objectivamente a direita e condena o PS a alianças que são contrárias à sua matriz ideológica. Nos países europeus onde essa aproximação foi conseguida, foi a esquerda como um todo que saiu a ganhar.
É também é um risco, porque, ao invés de contribuir para ultrapassar desacordos passados, pode, infelizmente, acabar por confirmá-los. Mas quem não se conforma com o divórcio das esquerdas tem de estar disposto a arriscar. Eu diria mais: tem o dever de arriscar, porque não podemos estar condenados a repetir o passado. Se há algo que caracteriza todas as esquerdas é a recusa desse tipo de fatalismo.
Sobre o texto da convocatória, acompanho a posição do Paulo Pedroso. Embora não me reveja na linguagem, demasiado Syriza para o meu gosto, assino-o porque o interpreto da seguinte maneira:
1) Tenho consciência que as actuais políticas, se não forem invertidas, vão continuar a destruir a economia, agravar ainda mais o desemprego e aprofundar a actual crise. Mais, as actuais políticas não funcionam nos seus próprios termos: não corrigem o défice público, não vão reduzir a dívida pública e não vão contribuir para qualquer tipo de transformação dos bloqueios estruturais do país. O país precisa de desenvolvimento e modernização, não de empobrecimento. As actuais políticas agravam a crise e deixam Portugal num beco sem saída. A(s) alternativa(s) não não são apenas desejáveis, tornaram-se absolutamente necessárias e incontornáveis;
2) A negociação do memorando de Maio de 2011 foi a negociação possível. Foi feita num contexto de necessidade, criado por uma crise política que o PS, isolado, tentou, até à exaustão, evitar. Ao contrário do PSD e do CDS, o PS não queria a Troika em Portugal - e tinha razão. Denunciar o memorando não é rasgá-lo unilateralmente; é demonstrar que, na sua versão actual, não só não serve os interesses do país, como não serve os interesses de quem nos empresta dinheiro, porque empurra Portugal para o incumprimento. Há, pois, espaço para a sua renegociação, não somente dos prazos, mas também dos seus pressupostos: não só a austeridade não permite consolidar as finanças públicas, como as famosas reformas estruturais (leia-se flexibilização das leis laborais e redução dos salários) não contribuem para qualquer tipo de agenda de crescimento económico nem combatem o desemprego. Esta renegociação deve ser feita em nome do sucesso do programa, não da sua rejeição;
3) A renegociação da dívida não é sinónimo de 'não pagamos'; é apenas a consciência de que, mais do que a vontade do devedor, importam as condições que lhe são dadas para pagar a dívida. Por isso defendo: a) redução dos juros do programa; b) o alargamento dos prazos de amortização; c) a mutualização, a nível europeu, de parte da dívida pública portuguesa; e, d) a transformação do BCE num credor de último recurso dos Estados. Renegociação é isto: não é não pagar; é, através de um processo negocial com os nossos parceiros europeus, procurar criar condições de sustentabilidade da dívida que permitam evitar o caminho do incumprimento. No meu entender, não só nenhum dos quatro pontos está em contradição com posições que o PS tem defendido, como também encontram eco em propostas que têm sido feitas, por exemplo, pela Comissão Europeia.

