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Foi há um ano, só. Um Passos Coelho de tronco nu "como qualquer português" (repórter da TVI dixit) no seu rés do chão enquadrado em alumínios, caniche ao colo, maravilha os portugueses com a sua "simplicidade". Alheias ao facto de o recém-empossado PM ter afirmado que o governo não teria "tempo para se sentar", as reportagens de TV e imprensa retratam o líder do executivo que acabara de confiscar meio subsídio de Natal a todos os portugueses (mesmo os que não recebem subsídio de férias, como estarão tantos a verificar agora, nas notificações de pagamento do IRS) como "o tipo porreirão" que "está aqui no meio do povo, um homem do povo e para o povo", "sem exigências especiais".

 

Podia ser só o retrato de um governante naïf , incapaz de perceber que por mais que quisesse manter "tudo igual", um tal grau de exposição era impossível de sustentar. Mas não: era o retrato de um governante naïf que pensou poder usar o estado de graça e a intimidade familiar para ganhar vantagem, exibindo uma ilusória proximidade com "o povo" e nessa exibição certificando a sua "seriedade"e "carácter genuíno". E, como vamos percebendo cada vez melhor, é o retrato de um homem que se decalca de um modelo tão nosso conhecido, cada vez mais reconhecível no discurso e na obstinação de destino. Na exaltação da pobreza como redenção, da modéstia como suprema qualidade, no balanço das contas como religião, Passos apropria-se (se é que disso tem consciência, mas se não tem é bom que se informe) do cerne do discurso salazarento.

 

Há, claro, quem considere que o uso deste qualificativo para um governante eleito democraticamente é um exagero e um insulto. Mas apelidar um discurso ou uma atitude de salazarenta não significa, é claro, dizer que o alvo da observação é antidemocrático ou visa impor uma ditadura; pode referir uma estética ou um referencial de valores. E muito mais relevante que a discussão sobre se Passos se inspira em Salazar é o que este seu discurso implica.

 

Para um primeiro-ministro que, com um ano de mandato, já logrou a proeza de ter falhado em tudo aquilo a que se propôs, com primazia para "o acerto das contas", que desdisse tudo o que era o seu discurso pré-eleições, cuja principal medida orçamental para este ano e seguintes é ilegal e que se depara dia após dia com o efeito da descredibilização, o fechamento na retórica providencial, que é também e sobretudo uma forma de vitimização, parece ser o último recurso.

 

Ele só quer salvar o País, a tal ponto que se está "a lixar para as eleições" (escapa-lhe, parece, que em regimes democráticos só se consegue "salvar o país" se eleito). Ele sabe muito bem para onde vai, mesmo se nos seus já famosos improvisos troca os passos a si mesmo: "Não se pode dizer que estamos a tomar demasiado remédio para a febre e ao mesmo tempo que a febre sobe mais do que é suposto com o remédio. Alguma coisa aqui não bate certo."

 

Não bate, não. Esfarrapado o "projeto", só resta mesmo a Passos este farrapo de discurso.

 

(publicado hoje no dn)

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