Uma velha desculpa
Apesar de a crise financeira de 2008 ser recente e das suas causas povoarem ainda o nosso quotidiano, a culpabilização do estado social pela crise que vivemos é uma arma diária da de direita europeia. À semelhança do que aconteceu no início da década de 80, a crise aparece como desculpa (chamam-lhe oportunidade) para reduzir a natureza e a dimensão das politicas públicas. Do estado que viveu acima das possibilidades, ao estado que asfixia a economia ou à acusação de oportunismo dos que beneficiam da protecção social, todos os argumentos têm servido para impor a ideologia do estado mínimo.
Mas a acusação de que ao estado social se devem imputar as responsabilidades da crise não resiste ao teste da realidade. Esta é uma crise que não poupou países com estados sociais menos pesados, como a Irlanda, que em 2008 destinava 22,1% do PIB às políticas sociais), ou o Reino Unido (23,1%); nem atingiu preferencialmente países com um estado social robusto, como a Dinamarca (29,7%) ou a Alemanha (27,8%). O peso do estado social não provocou esta crise, não explica as dificuldades de crescimento da economia e, provavelmente foi o principal travão à espiral depressiva mundial até 2010
As dificuldades de sustentabilidade existem e não podem ser ignoradas. Resultam de baixa natalidade e envelhecimento populacional, do crescimento económico residual, da mudança tecnológica, da globalização. As dificuldades de sustentabilidade existem e vinham sendo enfrentadas. Basta comparar a despesa em saúde em Portugal, que entre 2000 e 2005 cresceu em média 5,7% por ano, enquanto entre 2006 e 2011 cresceu a uma média anual de 2,1%; basta lembrar a mudança em direcção à diferenciação nas prestações sociais, contra uma visão ultrapassada de universalidade.
Escolher o Estado Social como culpado e como alvo é uma opção ideológica que há muito estava inscrita nos programas dos partidos que, maioritariamente, governam na Europa. Uma escolha assente na crença que, liberta das amarras do estado, a economia floresce e os amanhãs cantarão. Uma escolha que parece ignorar o papel das transferências sociais na redução das desigualdades, o papel das políticas de qualificação dos jovens na modernização económica e na recuperação do nosso atraso. Uma escolha que nunca considera a insustentabilidade da ausência de estado social. Uma escolha que parece ignorar o papel que todas as actividades incluídas na função social do Estado têm na própria dinamização da economia. Mas sempre – uma escolha.
Que o mais sério ataque ao estado social surja na sequência de uma crise em tudo – na essência e na dimensão - semelhante à crise que, há 80 anos, teve como resposta central a consolidação das políticas públicas de protecção social seria apenas irónico, se não fosse tão perigoso.
(este texto foi publicado no Diário Económico e faz parte frente-a-frente esquerda vs. direita, que o Diário Económico publicará até ao fim de Agosto. O texto "da direita", do Bruno Alves, pode ser lido aqui.)

