Estranhos desaparecimentos temáticos
Foi notícia, nos últimos dois dias, que o financiamento do ensino privado, via contratos de associação, manter-se-ia no mesmo nível do ano passado ou seja pouco mais de 85.000€ por turma (convém lembrar que o valor previsto pelo anterior governo para o ano lectivo de 2011/12 era de 80.000€ e que os 85.000€ foram uma das primeiras decisões deste governo). Lê-se no comunicado de apresentação “Atendendo às circunstâncias orçamentais actuais, manter-se-á o valor definido no ano anterior” e ninguém parece lembrar-se que estas mesmas circunstâncias ditaram, pelo contrário, uma redução do financiamento às escolas do ensino público.
Deixo de lado os números do financiamento, para já, porque aquilo que me interessa saber é a razão porque nunca mais se ouviu falar de um relatório da Universidade de Coimbra, de Fevereiro de 2011, que recomendava a resolução de alguns desses contratos por haver várias escolas com direito a contrato de associação em zonas, e cito,"em que a oferta da rede pública se apresenta como manifestamente suficiente". É curioso reparar que o afã austeritário, que tem justificado tantos e tão injustos cortes, não é tido nem achado quando se fala de ensino privado quando há casos de evidente duplicação de gastos escusada. Ainda mais curioso é constatar que o memorando com a troika, que tem servido de justificação para tanta coisa, também é completamente ignorado neste domínio, lembremos que na sua versão inicial, aquela que foi assinada ainda com o anterior governo, referia, no ponto 1.8, a necessidade de reduzr e racionalizar as transferências para escolas privadas com contratos de associação.
Termino este post de memorabilia repetindo a citação de excertos de um texto de finais de 2010 de João Trocato da Mata sobre finalidade e custos dos contratos de associação:
que o Estado financia com os contratos de associação não é nem a liberdade de escolha na educação, nem a especificidade da oferta educativa, mas um bem superior e constitucionalmente consagrado: o acesso de todos à educação. E é também por esta razão que a rede de escolas públicas e de escolas privadas com contrato de associação merece uma atenção redobrada, seja para colmatar falhas que impeçam o acesso à educação, seja para eliminar situações de evitável duplicação de despesa.
(...)
De acordo com o exercício orçamental de 2010, o financiamento dos 93 estabelecimentos do ensino particular e cooperativo com contrato de associação, abrangendo 52.955 alunos, custa cerca de 235 milhões de euros, ou seja, 4440 euros por aluno. A afirmação que hoje é feita de que o custo por aluno no ensino público é de 5200 euros, referenciando o valor à OCDE, revela no mínimo desconhecimento ou falta de sentido crítico. Os últimos dados da OCDE sobre esta matéria respeitam a 2007 e são apresentados em paridade de poder de compra. Trata-se, portanto, de um valor ponderado pelo poder de compra, facto que faz elevar o custo por aluno para efeitos de comparação internacional da informação estatística. O valor de 5200 euros por aluno no ensino público que tem sido veiculado é, assim, falacioso: se cada aluno no ensino público custasse 5200 euros, o Orçamento do Estado para a Educação necessitaria de mais 2 mil milhões de euros. O Orçamento do Estado para 2011 dotará as escolas públicas com um montante de cerca de 3750 euros por aluno. Quando devidamente comparadas, as escolas privadas com contrato de associação são hoje mais onerosas para os contribuintes do que as escolas públicas.(...)
P.S. - Os contratos de associação já foram, por diversas vezes, tema de conversa aqui no Jugular pela mão de vários escribas. Alguns desses textos estão aqui. Ah! Volto a lembrar que este tipo de contratos não esgota o tema financiamento público ao ensino privado, ainda temos, por exemplo, os contratos simples.