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Custos Unitários do Trabalho

Anda para aí uma grande confusão em torno dos Custos Unitários do Trabalho (CUT). Ao contrário do que o nome indica, os CUT pouco ou nada nos dizem sobre os salários.


Como explicaram os economistas Jesus Felipe e Utsav Kumar num artigo publicado na VOX, os custos unitários do trabalho deviam ser um rácio entre o salário nominal por trabalhador (medido em euros por trabalhador) e a produtividade do trabalho (medido em unidades de produção por trabalhador). Este rácio daria, então, o custo salarial, em euros, por unidade produzida. Mas os CUT não nos dizem nada disto. Os CUT não são calculados com base em dados físicos (unidades produzidas), porque o denominador é um rácio entre o PIB e um deflator de preço, dividido pelo número de trabalhadores. Felipe e Kumar dão-nos uma leitura diferente sobre este indicador:

 

If the aggregate unit labour cost cannot be interpreted identically to the one in physical terms, is there any alternative interpretation? The answer is yes. In Felipe and Kumar (2011), we show that the aggregate unit labour cost can be rewritten as the labour share in total output (value added) multiplied by the price deflator. This means that aggregate unit labour costs reflect the distribution of income between labour and capital.

 

Os CUT reflectem, afinal, a % dos salários na riqueza total produzida multiplicada por um deflator de preço. Como tal, importa perceber se a evolução negativa dos CUT se deve a um aumento dessa % ou a um aumento do deflator. De acordo com Felipe e Kumar, o que explica a evolução relativa dos CUT portugueses desde a adesão ao euro é, exclusivamente, o deflator de preço, não um aumento da % dos salários no PIB. Ou seja, quando se diz que os CUT permitem formular juízos sobre salários, está-se, na verdade, a pressupôr que o deflator dos preços é inteiramente explicado pela evolução dos salários. Este pressuposto, como devia ser evidente, carece de fundamentação.

 

Se a estrutura produtiva de um país está muito dependente da flutuação do preço das matérias primas no mercado internacional, o aumento desses custos pode ter um impacto muito significativo nos CUT, via inflação, sem que os salários expliquem o que quer que seja. Também é possível que a produtividade do trabalho cresça mais em Portugal que na Alemanha, que os salários cresçam menos em Portugal que na Alemanha e, mesmo assim, os CUT portugueses se deteriorem face aos Alemães. Por outro lado, também é possível que os CUT subam mais em Portugal do que na Alemanha por causa de uma sobreespecialização em sectores protegidos da concorrência internacional, o que permite maiores margens de lucro. Tudo isto é possível porque, ao contrário do que é sugerido pelo Banco de Portugal, os CUT não são um indicador de custos salariais.

 

Se o valor informativo dos CUT em termos de salários é pobre, para não dizer inexistente, o mesmo não se pode dizer da sua utilidade ideológica. Mais do que pelo seu valor informativo, os CUT têm servido para legitimar 'cientificamente' uma agenda de embaretecimento do trabalho. Com a colaboração do super-independente Banco de Portugal, a sua utilidade, na verdade, resume-se a isto.

 

Não só os CUT não nos dizem muito sobre os salários, como também não parecem dizer muito sobre a competitividade de um país. Como é que o Banco de Portugal explica que, tendo havido uma degradação da competitividade medida pelos CUT, o défice externo tenha tido uma redução histórica? Se os CUT fossem mesmo um indicador de competitividade relevante, seria expectável que, quando o défice externo baixa, as exportações crescem e se ganha quota de mercado, os CUT estivessem a baixar em termos relativos. O simples facto de isto não estar a acontecer é razão mais do que suficiente para desconfiar da utilidade deste indicador.

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