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Emergência nacional, dizem eles, emergência nacional, digo eu

Ainda emocionada com a histórica manifestação de 15 de Setembro, com aquele dia maravilhoso e «límpido» em que centenas de milhares de portugueses se reencontraram uns com os outros, em que centenas de milhares em todo país saíram da solidão, tristeza e depressão, para, em conjunto, expressarem a palavra livre, sinto que também a quero expressar. Ainda comovida com a imagem de centenas de milhares de portugueses, que saíram do seu mundo individual(ista), para expressarem colectivamente a solidariedade entre gerações, entre trabalhadores da Administração Pública e do sector privado, entre empregadas e desempregados e participarem, sem divisões, num protesto comum, onde se encontravam as mais variadas opções políticas, sociais, económicas e ideológicas, tenho de novo encontrado – como muito – a palavra política. No prazo de uma semana, de dia 7 a 15 de Setembro, Portugal de certa forma mudou e, por isso, gostava de realçar alguns aspectos, entre muitos que o acontecimento histórico e a situação política actual sugerem, através de um mini-glossário que envolve, quanto a mim, palavras, algumas das quais estão ligadas:

 

- Alternativa(s)

- Europa

- Contrato social

- Contra-revolução ou revolução (da direita radical)

 

- Alternativa(s) e Europa.

Tem sido o papão do pensamento único que está no poder o facto prpgandeado de que não haveria alternativas. Ora a política e a democracia são precisamente os terrenos da discussão de alternativas. Esta pseudo-ausência de alternativas acompanha-se de um total silêncio relativamente à Europa. Por isso, acho necessário que pessoas dos mais variados sectores da sociedade civil, credíveis, intervenham. Por exemplo Maria João Rodrigues, hoje, no Público, alerta: «Não acreditemos na ameaça de que se Portugal não introduzir a TSU no próximo orçamento, perderá a credibilidade internacional alcançada e o acesso à próxima fatia de financiamento externo. Há outras soluções! E no fim faz o balanço: «O que nos falta? Não o povo, que tem sido notável de bom senso e sentido de dignidade» – e digo eu, a dignidade ontem saiu à rua -. «Apenas um governo que saiba estar na Europa como parceiro responsável em vez de aluno acrítico e bem comportado». Eu diria que, para já, a alternativa é lutar contra as leis iníquas anunciadas em 7 de Setembro – foi há tão pouco tempo e tanta água já correu sob as pontes....

- Contrato social.

O contrato social foi quebrado, porque o governo atingiu a propriedade individual proveniente do trabalho e fonte da própria vida.  É aliás curioso assistir à forma como um governo de Direita,visto como neo-liberal, utiliza o Estado para atentar contra a propriedade,

- Contra-revolução ou revolução da direita radical?

Ultimamente, penso que se está finalmente a perceber qual o verdadeiro plano e a real agenda política e ideológica do governo actual, do seu primeiro-ministro e ministro das Finanças, escondidos sob o guarda-chuva da Troika. Como o governo e os seus ideólogos não o expressam – e compreende-se porquê – tem sido difícil descortinar esse plano, muitas vezes escondido sob a capa da Troika, por um lado, ou sob a capa da irresponsabilidade, do erro político e de uma incapacidade de passar a mensagem, por outro lado. Se penso que todas essas características existem nos muitos novatos elementos educados na Academia e na juventude partidária que estão hoje no governo, com os quais se misturam ideólogos distantemente vindos da extrema-esquerda e mais recentemente do neo-liberalismo e do conservadorismo, também considero que já há hoje muitos indícios de que há um plano político em curso, mais vasto e global. Aproveitando a crise financeira, económica, social e política actual, para a qual alguns até contribuiram, o actual governo alinha  com a linha ideológica e económica que se baseia no chamado Consenso de Washington[1], que pretende modificar a actual estrutura económica em que a Europa tem vivido. Curiosamente, esta direita radical actual de novo tipo difere da tradicional direita radical: por exemplo, não recorre à repressão directa, não defende o restabelecimento imediato de valores conservadores, por isso, não se preocupando por enquanto em remover a legislação sobre a despenalização do IVG ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não é isso que lhe interessa (para já?). Curiosamente, a direita que está actualmente no poder mostra ter lido a literatura marxista, preocupando-se, em primeiro lugar, em mudar a infra-estrutura económica, antes de enveredar para a necessária mudança do regime.

 

 

A primeira etapa tem por objectivo embaratecer os salários, aprofundar as desigualdades sociais já existentes e proceder a uma redistribuição de riqueza, retirando-a dos trabalhadores e do Estado social, e colocando-o nas mega-empresas. Pelo caminho, o objectivo de fabricar um «homem novo» e mudar a «mentalidade» - regenerar? – dos portugueses já está a ser iniciado, tentando amedrontar e instilar uma passividade política e social. Por isso, a estratégia tem sido:

- arranjar de forma expedita culpados – os governos desde 25 de Abril, os portugueses por terem gasto mais do que tinham, etc… - e surgir como a única alternativa, qual vanguarda impoluta que vai colocar tudo nos eixos, cortando no património, na liberdade de pensar e na própria dignidade dos portugueses

- mostrar que o actual estado das coisas é de emergência nacional, que não há dinheiro, os credores e a Europa estão fartos de nos aturar como gastadores preguiçosos que, por isso, não há que perder tempo a pensar e temos de passar a trabalhar mais horas e de forma mais barata, para que as empresas invistam, exportem e contratem trabalhadores.

- em nome de «amanhãs que cantarão», convencer que se deve aguentar e sacrificar tudo, aceitar a radical diminuição do consumo, o fecho de empresas, o crescimento do desemprego exponencial e o empobrecimento.

E não venham o chefe do governo e os seus ministros convencerem-nos que estão surpreendidos com a quebra do consumo e o aumento do desemprego. Claro que sabiam que a sua política resultava nisso. Sei pouco de economia mas sei que está nos livros que, para embaratecer a força do trabalho, convém ter uma bolsa razoável de desempregados, bem como empregados no fio da navalha, empobrecidos e aterrados.

Com uma opinião pública aterrada, culpabilizada e responsabilizada por ter vivido acima das suas posses, silenciada, evitar-se-ia para já os meios repressivos. Mas o que é certo é que, como disse  o Arquitecto Siza Vieira, numa frase aparentemente paradoxal para quem vive em democracia, tem por vezes a sensação de se estar a viver em ditadura (do pensamento único?).

 

 

O contributo da História

Penso de facto que, tal como Daniel Oliveira e Pedro Marques Lopes aventaram, poderá estar em curso uma (contra-)revolução da direita radical com o objectivo de criar revolucionariamente um «Homem Novo» português. Claro que este projecto é uma utopia e pouco importa se esse «homem novo» almejado seja na realidade aquele homem muito «velho» – de espinha dobrada, com chapéu na mão a pedir pão, silenciado e silencioso -, a obedecer porque deve ao «homem novo», que manda porque pode (Salazar: «Manda em pode, obedece quem deve!).

 

Tentando não cair em comparações simplistas e abusivas ou em anacronismo vou-me socorrer da História do Século XX. Ora, como todos sabem, nos anos 20 e 30 desse século houve uma tremenda crise financeira (1929), que se transformou em crise económica, social e política. Dessa chamada «crise política do demo-liberalismo» surgiram respostas diferentes no espectro político europeu – por um lado, as soluções social-democrata/socialista ou marxista-leninista da ditadura do proletariado e, por outro lado, a solução do recurso a ditaduras de extrema-direita de terceira via. Apesar das diferenças existentes entre elas - por exemplo, entre o nacional-socialismo alemão, o fascismo italiano e o autoritarismo salazarista - todas elas foram ditaduras de partido único que proibiram a greve e os sindicatos livres, os partidos políticos, recorreram à censura e à repressão violenta para eliminar os adversários, à cabeça dos quais se contavam os comunistas. Ao mesmo tempo que combatiam a «plutocracia» liberal e combatiam a odiada luta de classes, esses regimes pretendiam substituir essas duas alternativas, por uma terceira – a utopia corporativa, em que assalariados e patrões colaborariam entre si em prol do chamado «Bem comum». Em todos esses regimes, se combateu a chamava decadência e falência do regime democrático liberal e se pretendeu mudar de forma totalitária a mentalidade dos respectivos povos, de modo a criar um «homem novo» regenerado.

 

No caso do Portugal salazarista, a formação da ditadura, ou do chamado Estado «Novo», iniciou-se pela «revolução legal» - promulgação de uma nova Constituição (1933) c criação de novas instituições de repressão, censura e propaganda, bem como lançamento de uma legislação corporativa. Depois da «revolução legal», como diziam os ideólogos salazaristas, faltava criar a «revolução mental» - aquela que modificasse a mentalidade dos portugueses, criando «homens novos e «mulheres novas» adaptados aos propósitos do novo regime. E foi então que entrou em actuação, em 1936, o ministro da Educação Nacional, que «regenerou» a educação «nacional» e criou a Mocidade Portuguesa

 

Ora, apesar de ter em conta que passaram cem anos, neste início dos anos dez do século XXI, considero que há um propósito que se assemelha a este em Portugal e que poderá estar ligado a uma vontade de criar um novo regime, em que somente as etapas se inverteram. Aproveitando, como nos anos vinte, a crise, o actual governo optou por modificar economicamente as condições de vida dos portugueses, empobrecendo-os e começando a criar uma nova mentalidade, para depois, com a cumplicidade silenciosa e obediente de todos, proceder então à revolução «legal», eliminando a incomodativa Constituição de 1976 e criando novas instituições.

 

Mas tudo o que disse pode ser efeito de um pesadelo ocorrido numa noite mal dormida e, por isso, não há razões para temer. Tanto mais porque uma opinião pública e uma sociedade civil fortes jamais permitiriam que Portugal se transformasse nessa situação tenebrosa. No entanto, estou de acordo com o governo numa coisa: Portugal está a viver numa situação de emergência nacional.

 

P.S. Por falar em sociedade civil forte e consciente, tenho ouvido em muitos lados que a cobertura feita pela RTP das manifestações de ontem foi notável.

 

 



[1] Socorro-me da Wikipédia:

- Abertura da economia por meio da liberalização financeira e comercial e da eliminação de barreiras aos investimentos estrangeiros; amplas privatizações; redução de subsídios e gastos sociais por parte dos governos e desregulamentação do mercado de trabalho, para permitir novas formas de contratação que reduzam os custos das empresas.

 

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