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Algumas notas sobre fundações

Publicada ontem a Resolução do Conselho de Ministros n.º 79-A/2012 (documento não legal), que marca mais um momento no processo iniciado pela primeira versão do Memorando de Entendimento com a troika, no sentido de melhorar o desempenho da organização e da actuação administrativa, em especial fundacional, e que conta já com vários elementos, como a Lei n.º 1/2012 (lei do censo às fundações), a lei-quadro das fundações (lei n.º 24/2012), e um Relatório de Avaliação das fundações, a referida Resolução visa apresentar as determinações em matéria fundacional operadas na sequência dos trabalhos realizados até agora, em especial, as que constam do Relatório proveniente do Censo.

 

Algumas notas sobre as fundações a propósito desta Resolução:

 

1. As fundações públicas, se têm alguma especificidade face às empresas públicas e aos institutos públicos não-fundacionais (passe o paradoxo), há de ser uma maior, senão total, autonomia face ao OE (é algo transversal a ordenamentos como o alemão ou o italiano, e está previsto no nosso desde 2004), embora sejam comuns as denominadas fundações-subvenção, em configurações diversas. Nessa medida, e tendo em conta a actual conjuntura, a decisão do Governo de cortar no financiamento às fundações públicas deve ser vista como uma correcção de uma situação anómala e uma procura por tornar as fundações públicas mais consentâneas com o seu próprio modelo legal-administratativo. Necessário é que esta transição seja bem planeada: um corte que implique a inviabilização financeira de uma fundação que se quer manter não faz grande sentido. Espera-se que o Governo tenha pensado nisso. A referência a contratos plurianuais é uma boa indicação. 

 

2. O estatuto de utilidade pública é uma ferramenta jurídico-administrativa de cooperação entre público e privado. A sua principal função tem sido a de servir como referência normativa a outras leis para atribuição de benefícios fiscais. Contudo, não é esse o seu papel, nem tal estatuto é condição necessária para que sejam atribuídos subsídios, negativos ou positivos, a fundações. A sua principal função, que o Estado nunca assumiu completamente, no quadro de uma Administração planeadora e cooperante, é a de integrar os efeitos da normal actividade de entes privados, na satisfação do interesse público. O financiamento público surge como uma forma de incentivo. Assim sendo, e tendo em conta que a Administração pouca ou nenhuma atenção tem dado à sua função planeadora e fiscalizadora, que justificaria a atribuição e manutenção de financiamento público, surge também como normal que, dada a análise realizada, se conclua que muitos estatutos de utilidade pública que não reunem os pressupostos necessários (que, aliás, são bastante discricionários), ou que, reunindo-os, não merecem o nível de apoio público que até agora recebiam. Novamente, o importante é que essa análise custo-benefício seja bem feita.

 

3. A instituição de fundações com particulares ou com municípios leva, a não ser que seja previsto algo em contrário, a que o Governo perca o controlo total sobre o destino das fundações. Aliás, as fundações por definição, existem para ganhar um mínimo de autonomia face aos seus fundadores, o que no caso público é uma navegação à vista de Cila e da Caríbdis. É, por isso, importante pensar nas consequências em fazê-lo. Surge como muito estranho, sem conhecimento público de quaisquer acordos que existam, que o Governo pretenda extinguir, unilateralmente, fundações que têm instituidores privados ou municípios fundadores. Nos quatro casos conhecidos é isso que acontece. A Fundação Cidade de Guimarães tem como instituidor o Município de Guimarães; a Fundação Museu do Douro conta com 18 municípios fundadores, duas instituições públicas de ensino superior (que tem autonomia do Governo), e 18 particulares entre pessoas singulares e colectivas; a Fundação Côa Parque conta com um município e uma associação de municípios entre os seus fundadores;  e a Fundação para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, conta com um instituidor privado, a LUSOPONTE, e com o Município de Alcochete. Mesmo admitindo que a lei-quadro das fundações alterou o regime jurídico da tais fundações - submetendo-as agora a um regime próximo dos institutos públicos quando originiariamente se queria submetê-las residualmente ao Código Civil - os instituidores particulares deveriam ter uma palavra a dizer, ou, pelo menos, devem ser acauteladas as suas expectativas. É quanto a este ponto que parecem restar maiores dúvidas jurídicas.

 

(em estéreo com o Vermelho)

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