A dupla incompetência
A discussão sobre o Estado que queremos, o que traduzido para a linguagem actual significa que serviços públicos queremos e quanto estamos disponíveis para pagar por eles em impostos+taxas, é a discussão política fundamental. Não há outra.
Esperar-se-ia que qualquer partido de poder estudasse a matéria e definisse um modelo quando está na oposição, e tentasse executá-lo quando está no Governo. Nunca tal aconteceu. Por mais que se amplie a escala nunca a discussão se fez como uma democracia o impõe: com os partidos e os Governos a estudarem diversos modelos e a confrontarem-nos com o que temos hoje, para que possamos perceber o que íamos perder e o que podemos ganhar. Ou em serviços públicos ou em dinheiro levado em impostos. Não há almoços grátis.
Mas os partidos estão sempre mais preocupados em chegar ao poder e depois logo se vê. Chamemos-lhe o apelo do pote. Mesmo quando se fez algum trabalho de casa, em alguns partidos, nunca se incluiu a única discussão que fazia sentido. O Estado era o elefante na sala e mesmo quando era reconhecido apenas se identificava, quando muito, uma zebra. Ora, o problema é que sendo o Estado-Administração Pública um sistema tratá-lo em parte, mesmo que em grande parte, tem como consequência a reorganização do sistema para responder ao que percebe como um ataque. O Estado protege-se a si mesmo. A discussão tem que ser única e precisa. Que Estado queremos?
É fácil perceber que este problema tem que ser mediado. Tão certo como a discussão ser uma imposição democrática é a sua magnitude ser impossível de tratar e compreender a um nível individual. Se esta não é uma função dos partidos e do próprio Estado não sei para que servem estas instituições.
Esperar-se-ia de um dos governos mais ideologicamente de Direita que se viu nos últimos anos que tivessem um plano. Podia ser um plano inaceitável, mas um plano. Para mais quando se trata de um Governo que se constituiu sabendo já que teria que cortar no défice através de uma rácio de 2/3 da despesa e 1/3 das receitas. Esperar-se-ia qualquer coisa de Direita, um Reaganismo, um Tatcherismo, bolas, um Passismo. Olha-se para os programas eleitorais, de Governo, e nada. A montanha só não pariu um rato no que toca à despesa porque pariu cortes de salários. E foi isso. Esta é a primeira grande marca de incompetência deste Governo.
Percebe-se porquê: é sobretudo para a Direita - e este Governo exemplifica-o bem - que cortar no Estado significa cortar na despesa, como se não significasse cortar também em serviços públicos e prestações sociais. A linguagem é propositada: fala-se em cortar na despesa para evocar as ervas daninhas, como se não se estivesse também a cortar as plantas sadias. Mas mesmo sem um plano para deitar abaixo o Estado, esperar-se-ia que este Governo, pressionado como está, situação que patrioticamente provocou e assumiu, atalhasse caminho e dissesse aos portugueses que novo Estado lhes pode oferecer, ou seja, para que Estado é que temos dinheiro, com os impostos que pagávamos há três ou quatro anos, por exemplo. Já que não nos apresentaram a coisa bem preparada ao menos que nos fizessem uma apresentação rápida: "queremos menos hospitais", "vamos comparticipar menos medicamentos", "queremos menos escolas", "não há RSI para ninguém", "não há dinheiro para ter Força Aérea", "queremos menos tribunais", "não há dinheiro para tantos professores". Qualquer coisa de direita.
Mas hoje a dupla incompetência é gritante e já ninguém a desconhece: à falta cenários sérios e estudados sobre os Estados possíveis, soma-se a incapacidade de ainda assim apresentar opções de urgência que reorganizassem o Estado, que explicassem os serviços públicos cortados e as prestações sociais reduzidas face ao que no Estado pode ser reduzido ou levado a melhor desempenho. Alguém sabe quanto contribuiu o famigerado PREMAC para a redução do défice? Eu não.
E como disse Catroga a propósito dos cortes necessários a apresentar no OE 2011, quem tem de os apresentar é o Governo.
Pois bem, venha a dupla incompetência coroar o incumprimento de todas as metas traçadas: a solução é aumentar impostos e deixar o Estado como está, depois da patranha dos consumos intermédios e das gorduras do Estado se ter desvanecido sem resistir à realidade pós-eleitoral. A solução é um corte no défice em que o aumento de impostos vale 81%.

