Uma mulher do outro mundo
Acaba de aterrar em Lisboa uma mulher que «vem de outro mundo, literalmente falando». É neste registo “twilight zone” que Paulo Rangel descreve Angela Merkel, num documento biográfico que o Expresso publicou este sábado. O planeta distante a que se refere Rangel é o «outro lado do muro de Berlim». É certo que Merkel nasceu em Hamburgo, mas a família mudou-se para a antiga RDA logo em 1954. De acordo com o homem que lhes fez as mudanças, «só havia dois tipos de pessoas que iam para Leste nessa altura, os comunistas e os completos idiotas». Não consta que a família pertencesse à categoria dos comunistas.
Ainda assim, a passagem obrigatória pelas juventudes comunistas da RDA explicará que a alemã Merkel tenha hoje a simpatia de se dirigir ao polaco Tusk em russo. Ou que tenha aparecido em Atenas com a mesma farda do jogo Alemanha 4, Grécia 2. Por estas e por outras, neste momento, nas reuniões do Conselho Europeu, já só resta um chefe de Estado e de governo que gosta de se sentar ao lado de Frau Doktor Merkel: Pedro Passos Coelho, muito apropriadamente apelidado por ela como «the nice guy».
A revista New Statesman chama-lhe «o mais perigoso líder alemão desde Hitler». De facto, «as férias de Merkel são passadas nos Alpes e não perde a rentrée do festival de Beyreuth (Wagner)». Mas felizmente as afinidades com o ditador ficam-se por aqui. Tirando o facto de gostar de cozinhar «sopa de batata e ganso com ameixas», Merkel não é dada a grandes loucuras. Repare-se que nem mesmo no dia em que caiu o muro de Berlim alterou substancialmente as suas rotinas: «só foi festejar depois de ir à sauna». E o chamado «festejo» consistiu em cobrar à mãe uma velha promessa: um jantar de ostras em Berlim ocidental. Estava ganho o dia.
Doktor Merkel deve o título (de doktor) à tese, em Química, sobre «A análise dos mecanismos de desintegração por fracionamento simples das fixações». E é inegável a influência destes «mecanismos de desintegração por fracionamento simples das fixações» na política europeia de Merkel. O Professor Roll, também citado pelo Expresso, explica-nos que «ao invés da maioria dos líderes, que são advogados e veem a perda de um argumento como uma derrota, Merkel, tal como um cientista, vê a perda como uma descoberta, uma vitória». No entanto, mesmo no campo científico, a abordagem de Merkel é inovadora, pois não se limita a seguir o tradicional método da tentativa e erro, substituindo-o antes pelo novo método da persistência no mesmo tipo de tentativas erradas. «A fé em Deus facilita-me muitas decisões», afirma a mulher que hoje nos visita. Já tínhamos dado por isso.

