Concertar
Dias depois de as projeções de Outono da Comissão Europeia avançarem com a previsão de que, depois da recessão em 2012, a Zona Euro estagnará em 2013, e do alerta do FMI de que a austeridade pode tornar-se “socialmente insustentável”, a importância da greve de hoje reside no exemplo dado pela capacidade de concertação de uma posição conjunta da periferia europeia.
A decisão de marcar uma greve internacional em Portugal, Espanha, Grécia, Chipre e Malta pode sobretudo servir de inspiração para os líderes dos governos nacionais, que deviam procurar construir uma estratégia de defesa comum que permitisse à Europa do Sul defender melhor os seus interesses perante o eixo Berlim-Frankfurt-Bruxelas.
O significado da greve internacional é particularmente importante à luz do contexto mais vasto de correlação de forças que se cristalizou nos últimos 3 anos: este não apenas reforçou o poder das instituições mais imunes à pressão democrática (como o BCE), como tornou impossível aos governos dos países que não resistiram à crise da dívida compatibilizar uma conduta "responsável" que visa tranquilizar os mercados com a função de representação dos cidadãos. Se um país é obrigado a seguir um plano de austeridade independentemente de quem ganha eleições e o governo é transformado numa espécie de Direção-Geral, é natural que a população conclua que as eleições e os políticos não servem para nada senão para executar o plano de recuperação de crédito de países e bancos estrangeiros.
"Onde a democracia como a conhecemos já foi efetivamente suspensa, como na Grécia, na Irlanda e em Portugal, os motins de rua e a insurreição popular podem ser a última forma de expressão política daqueles que não têm poder de mercado", escrevia há um ano o cientista político alemão Wolfgang Streeck. Se Portugal ainda não atingiu (felizmente) esse limite, tal é menos certo na Grécia. Das respostas possíveis ao sentimento de impotência, a mobilização politicamente enquadrada é aquela que melhor pode levar o eixo Berlim-Frankfurt-Bruxelas a compreender os riscos de impôr uma estratégia que assenta na simultânea redução do nível de vida da população e na anulação do espaço da tradução democrática de interesses.
O meu texto de hoje, no Diário Económico.

