Viver como bons cães
Espero que fique para a História a designação do Ministro Vítor Gaspar sobre os portugueses, designando-nos como "o melhor povo do mundo". Mas fique para a história ou não, para as gerações que estão vivas agora a afirmação do Ministro, e dado o seu poder sobre as nossas vidas, é current affairs. Aliás, confirmada por recentes declarações do nosso Primeiro-Ministro, em que afirma que "quem contesta o Governo é quem mais tem". Esses perigosos hedonistas e epicuristas, acrescento eu.
Por que somos nós o melhor povo do mundo? Essencialmente, tudo bem declinado e depurado, porque Gaspar acha que temos queda para o cinismo. À maneira de Diógenes de Sínope, bem entendido.
Neste contexto, "o melhor povo do mundo" está para o "vivemos todos acima das nossas possibilidades, como "a Virtude" está para "está na hora do desapego aos bens materiais". Note-se que a ideia faz parte da condição humana: não há civilização que não contenha uma corrente de filosofia moral que de algum modo defenda a procura da felicidade com recurso a pouco mais do que um corpo (geralmente, o do próprio) e umas quantas ideias valiosas. Porém, uma vez que também faz parte da condição humana, também há umas quantas correntes filosóficas que defendem o oposto: a virtude é a fruição geral e alargada de tudo o que temos à nossa disposição e nos dá prazer.
Que todos os Governos são morais não há dúvida. Com mais verniz ou menos verniz, com mais pompa e circunstância ou mais discrição, é impossível a política não ser moral. Veja-se Portugal 1926-1974, por exemplo. Mas também 1974-2012. Aparentemente nenhum dos dois períodos foi bom. E Gaspar sauda os portugueses como "o melhor povo do mundo" porque este bom povo está disposto a desapegar-se de todos os bens materiais para que possamos atingir, finalmente, o Estado moral que podemos suportar.
Em breve, Portugal será um país de cínicos old school. E os portões redentores da felicidade terrestre abrir-se-ão de par em par. Cada um de nós, de dentro do seu barril, poderá então regozijar-se (moderadamente) com a plenitude da condição humana.