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Pensões e pobreza: distorcer em vez de informar

Um dos motivos pelo qual o FMI dá uma avaliação negativa ao sistema de pensões português assenta na sua fraca eficácia para reduzir a pobreza nos idosos:

"While Portugal has one of the highest pension spending ratios in the EU, it also has a high share of population that is at risk-of-poverty in old age (defined as the share of the over-65 population with incomes below 60 percent of median household income). Hence, old-age spending is inefficient: each percentage point of pension spending reduces old-age poverty by only 4.3 percentage points, well below the European average of 6.8 percent." (do parágrafo 44 do relatório).


Já foi dito que semelhante avaliação assenta na ideia de que qualquer € que não contribuiu para retirar um idoso da pobreza é um € desperdiçado, e que esta ánalise distorce a filosofia do sistema de pensões, que assenta fundamentalmente no princípio da contributividade. Isto é, o seu objectivo principal não é, em primeira análise, reduzir a pobreza, mas garantir, depois da vida activa, um rendimento relativamente próximo do que o indivíduo auferia no mercado de trabalho, via salário. Ou seja, o seu objectivo primeiro é segurança, não é a redistribuição de ricos para pobres (embora, naturalmente, também o faça pela garantia de mínimos).

Face a isto, vale a pena recorrer aos dados de um relatório da OCDE, Growing Unequal. Income Distribution and Poverty in OECD Countries, publicado em 2008 (p.143):

 

O que nos dizem estes gráficos? (atenção que os dados para Portugal se referem ao ano de 2000 e não a meados da década de 2000, como acontece para a maioria dos países, mas isso não é particularmente importante para aqui)


O da esquerda mostra a correlação entre despesa social orientada para a população com idade activa e o risco de pobreza desta população. Como se vê, a correlação positiva é significativa: nos países onde a despesa social é mais elevada, o risco de pobreza tende a ser menor (como sabemos, isto depende não apenas da eficácia e eficiência das prestações sociais, mas também da distribuição primária do rendimento, mas isso é outra discussão).

O gráfico da direita é o fundamental para esta discussão com a análise do FMI: ele cruza a despesa social orientada para a população idosa e o risco de pobreza desta população. Como se vê, não há qualquer relação.

 

A descoberta supostamente infâme sobre a "baixa eficácia" das pensões do sistema português de segurança social para reduzir a pobreza é bastante deslocada porque é uma avaliação que não respeita a filosofia dos sistema de pensões, não apenas do português como da maioria dos países em análise. Como diz o relatório da OCDE, "this pattern reflects the earnings-related nature of old-age pensions in most OECD countries". O FMI, na sua análise, teria forçosamente de concluir que a maioria dos países da OCDE tem sistemas de pensões ineficazes na luta contra a pobreza dos idosos. Isto apenas revela como é inútil usar a "média" para avaliar o desempenho de um país quando não existe qualquer relação entre as duas variáveis em análise, e como um simples exercício de benchmarking que o faça distorce mais do que informa.

 

Atenção: isto não significa a redução da pobreza dos idosos não deva ser uma prioridade de um Estado social nem que devamos ser complacentes com este fenómeno que, aliás, os Estados sociais combateram com relativo sucesso ao longo do tempo. Mas, para tal, devemos procurar os instrumentos que têm como objectivo primeiro atacar e resolver o problema da pobreza nos idosos. Foi com o objectivo, por exemplo, que foi lançado em 2006 o Complemento Solidário para Idosos, a prestação que é principal responsável pela queda no risco de pobreza da população idosa nos últimos anos - afinal, a mesma prestação a que o Governo retira, no OE2012, mais de €30 milhões, ou seja, 11,2% do que estima ter gasto em 2012. Deve ser a isto que chamam uma reforma "inteligente".

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